Disseminação de fake news por parte de canais russos faz políticos em Kiev pensarem em proibir o serviço de mensagens. No entanto, plataforma também é um meio importante para divulgar informação oficial do governo.
Na Ucrânia, é comum encontrar esse tipo de mensagem em canais do serviço Telegram, semelhante ao WhatsApp: "As Forças Armadas da Ucrânia estão recrutando moradores de rua", "Os ucranianos vão se render em Kharkiv", "Os guardas de fronteira ucranianos foram autorizados a abrir fogo contra aqueles que tentarem fugir da Ucrânia".
Mensagens como essas, monitoradas pelo Centro de Combate à Desinformação da Ucrânia, são distribuídas por canais alegadamente pró-Rússia no Telegram, aparentemente com o intuito de disseminar o pânico e notícias falsas sobre os assuntos militares e o sistema político da Ucrânia.
A velocidade e o anonimato do Telegram aumentaram o debate sobre a possibilidade de a plataforma ser bloqueada na Ucrânia. A questão chegou aos círculos políticos, com discussões agora na comissão parlamentar ucraniana sobre liberdade de expressão.
Popularidade em alta
Mas simplesmente banir o Telegram não é uma tarefa fácil. A sua crescente popularidade na Ucrânia transformou a plataforma no recurso mais acessível para consumo de notícias. Antes da invasão russa, apenas 20% dos ucranianos usavam o Telegram como fonte de notícias. Hoje é muito diferente: somente em 2023, o aplicativo apresentou um crescimento de até 72% .
O Telegram é popular em todo o mundo, com entre 700 a 800 milhões de usuários mensais. Enquanto o WhatsApp reina supremo, o Telegram é amplamente utilizado na Europa Oriental, na Índia, na Indonésia, nos Estados Unidos e no Brasil.
Uma característica fundamental do Telegram é o anonimato. Qualquer pessoa pode criar seu próprio canal e escrever qualquer coisa permanecendo anônima. Isso significa que, muitas vezes, podem ser publicados conteúdo, fotos ou vídeos não verificados.
Ian Garner, historiador e analista da cultura russa e da propaganda de guerra, afirma que esse anonimato faz do Telegram uma espécie de "Velho Oeste, onde não há regras, nem controle, e você não tem ideia do que é real, do que é verdade, em quem confiar ou se deve confiar em alguém".
Notícias para quem está no exterior
Criado inicialmente pelo empresário russo Pavel Durov e seu irmão Nikolai, o Telegram renunciou à influência russa e mudou seu escritório para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Durov ganhou o apelido de "Zuckerberg da Rússia" por lançar, aos 22 anos, o Vkontakte, a maior plataforma de mídia social do país. Em 2017, o Vkontakte foi banido da Ucrânia em 2017. As autoridades ucranianas levantaram pela primeira vez preocupações sobre a influência das redes sociais e dos websites russos após a anexação russa da Crimeia e a sua primeira ofensiva contra a Ucrânia em 2014.
Apesar disso, agora o Telegram se tornou uma fonte vital de atualizações em tempo real sobre sirenes aéreas e ataques de mísseis na Ucrânia. Com muitos ucranianos deslocados ou no exterior e sem acesso à televisão, alguns canais do Telegram tornaram-se meios de comunicação essenciais para a população se manter informada.
Personalidades, analistas políticos e blogueiros criaram canais para disseminar informações, mas os canais anônimos tornaram-se a maior ameaça, pois publicam frequentemente informações não verificadas e mentiras descaradas.
A influência do Telgram aumentou tão rapidamente, que funcionários do governo ucraniano tiveram que estabelecer seus próprios canais oficias de Telegram. Hoje, quase todos os políticos, de prefeitos ao presidente Volodimir Zelenski, mantêm canais oficiais na plataforma para divulgar informações diretamente ao público.
Um dos canais de Telegram mais populares na Ucrânia é "Trukha", abreviação de True Kharkiv, em referência à cidade perto da fronteira com a Rússia. O canal tem mais de 2,5 milhões de assinantes e, apesar do nome, dissemina notícias sobre toda a Ucrânia.
O "Trukha" permaneceu no anonimato por muito tempo e enfrentou acusações de espalhar desinformação e compartilhar conteúdo proibido, como vídeos e fotos após os ataques com mísseis russos. Apesar da reputação questionável, o canal foi convidado para a conferência de imprensa de fim de ano de Zelenski em 2023, enquanto outros meios de comunicação profissionais tiveram o acesso negado.
Segurança x necessidade
A comissão parlamentar ucraniana para a liberdade de expressão não é a única preocupada: Andriy Yusov, um representante da inteligência militar da Ucrânia, vê o Telegram como uma ameaça à "informação e não apenas à segurança da informação".
Oleksiy Danilov, ex-secretário do Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, fez eco destas preocupações, enfatizando particularmente o temor quanto ao anonimato dos canais na plataforma.
Paralelamente, alguns usuários do Telegram expressaram preocupação de que uma proibição violaria suas liberdades.
Para Diana Dutsyk, chefe do Instituto Ucraniano de Mídia e Comunicações e membro da Comissão Ucraniana de Ética Jornalística, porém, uma proibição é improvável. Ela ressalta que o Telegram é utilizado pela presidência, o que indica falta de vontade política para tal medida.
Mas ainda existe um conflito entre as preocupações de segurança e a necessidade do Telegram. "Considerando a sua importância como ferramenta fundamental para a influência política, especialmente em possíveis eleições, o bloqueio imediato parece improvável", destaca Dutsyk.
"Uma questão de vida ou morte"
Yaroslav Yurchyshyn, presidente da comissão parlamentar ucraniana para a liberdade de expressão, disse que a discussão está em curso, sem uma decisão final, e que as autoridades estão trabalhando para evitar uma proibição.
A comissão não tem poder para proibir o Telegram na Ucrânia, mas pode emitir recomendações. O Conselho Nacional de Segurança e Defesa é que tem a decisão final.
A proibição do Telegram poderia ser o último passo possível se a cooperação com a plataforma não funcionar, de acordo com Yurchyshyn.
"O preço de tais falhas na segurança da informação, que permitem que a propaganda russa penetre facilmente nos produtos de informação ucranianos, é muito alto em nosso país. Uma questão de vida ou morte para nossos cidadãos", resume.
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