Putsch da Cervejaria: como foi o fracassado golpe com que Hitler tentou tomar o poder 10 anos antes de se tornar o Führer - Redação BBC News Mundo - 19 dezembro 2021
Na noite de 8 para 9 de novembro de 1923, um jovem de ascendência austríaca invadiu um comício político que era realizado na Bürgerbräukeller, uma das maiores cervejarias de Munique, na Alemanha.
De arma em punho, ele falou aos presentes na movimentada cervejaria sobre a "revolução social" que devolveria à Alemanha a glória que havia perdido após a Primeira Guerra Mundial.
Muitos dos ali presentes não conheciam este homem de 34 anos que lutou na guerra — e foi ferido —, e que mais tarde tentou, sem sucesso, se tornar artista.
Mas alguns sabiam quem ele era: Adolf Hitler, o líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemão (NSDAP, na sigla em alemão), mais conhecido como partido nazista.
Hitler havia trocado suas aspirações artísticas por discursos políticos que fizeram dele um dos principais oradores do partido desde que ingressara como membro.
E seus ouvintes encontraram em suas palavras o sentimento de frustração que prevalecia entre os alemães durante a chamada República de Weimar, a Alemanha entre guerras.
Hitler considerava que os governantes alemães haviam traído o país e levado a Alemanha a uma grave crise econômica e política.
Naquela noite, Hitler e seus seguidores invadiram o comício, fazendo três generais reféns e levando-os para uma sala separada, onde estes foram convidados a se juntar à causa e ser leais aos nazistas. Sua missão era derrubar a República de Weimar.
E tudo começaria ali, nesta cervejaria.
"Estávamos acostumados com todos os tipos de surpresas em Bürgerbräukeller", contou, mais tarde, o jornalista Egon Larsen à BBC.
"Naqueles anos do pós-guerra, tivemos golpes, rebeliões, revoluções, tiroteios. Mas acho que 9 de novembro de 1923 provavelmente trouxe a maior surpresa de todas."
A tentativa de golpe ficou conhecida como Putsch da Cervejaria, ou "golpe da cervejaria".
O que aconteceu naquela noite e nos dias seguintes deu a Hitler a imagem pública de que precisava para se tornar, anos depois, o Führer, o líder da Alemanha nazista.
Os problemas da Alemanha
A Alemanha não estava passando por seu melhor momento.
O governo alemão teve que assinar o Tratado de Versalhes em 1919 como resultado de sua derrota na Primeira Guerra Mundial. Com sua assinatura, a Alemanha aceitava a responsabilidade moral e material por ter causado a guerra.
O acordo acabou sendo altamente impopular entre os alemães, que acreditavam que seus governantes "apunhalaram a Alemanha pelas costas" e humilharam o país.
Além disso, comprometeu o governo com uma série de pagamentos que não conseguiu cumprir. Como consequência, a França invadiu a região de Rühr, assumindo as fábricas e minas para cobrar o que a Alemanha devia a ela.
Isso tudo provocou hiperinflação, que destruiu a economia da frágil República de Weimar. Aonde quer que fossem, os alemães carregavam grandes maços de notas para comprar mercadorias.
A crise também era política, já que vários grupos, incluindo nacionalistas e comunistas, conspiravam para tirar o partido Partido Social-Democrata do poder.
E um deles era o Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado em Munique em 1919. A crise e a escassez de alimentos fizeram com que o partido crescesse rapidamente em número de membros e importância.
Em 1920, o partido mudou de nome para NSDAP, e já estava realizando comícios em massa com seus mais de 20 mil membros, incluindo Hitler.
Em dois anos, o futuro chanceler se tornou um de seus principais oradores. E, em 1921, presidente do partido.
Hitler também contava com uma milícia particular, formado por ex-soldados e operários, a Sturmabteilung, a quem atribuía a função de participar de eventos políticos e intimidar seus oponentes.
Seguindo os passos de Mussolini
Em novembro de 1923, Hitler e os membros da Sturmabteilung organizaram um complô para tomar a região da Baviera, da qual Munique era a capital.
O plano envolvia usar o comissário do Estado da Baviera, Gustav von Kahr, e um importante general da Primeira Guerra Mundial, Erich Ludendorff, como símbolos do golpe.
Se tivesse sucesso, e com a Baviera sob seu controle, Hitler marcharia para Berlim da mesma forma que Benito Mussolini havia protagonizado a Marcha sobre Roma — e que deu início ao período fascista na Itália.
Sabendo da presença de líderes políticos no local, Hitler e integrantes da Sturmabteilung foram então até a Bürgerbräukeller, cercaram a cervejaria e invadiram a sessão. Ali, ele atirou no teto e ameaçou os presentes com violência.
Von Kahr e outros dois personagens, o general von Lossow (líder do exército da Baviera) e o coronel von Seisser (chefe da polícia da Baviera), foram levados para uma sala nos fundos, onde foram forçados a mostrar publicamente seu apoio aos nazistas, persuadidos por Hitler e o general Ludendorff.
Hitler deixou a cervejaria mais tarde naquela noite para lidar com o golpe em outras partes da cidade. Pelo menos 2 mil nazistas deveriam assumir o controle dos prédios do governo e marchar no dia seguinte para marcar a queda de Munique.
Hitler havia organizado uma passeata de protesto junto com Ludendorff, praticamente na expectativa de que nenhum membro da polícia da Baviera ousasse atirar nos nazistas ou no próprio Ludendorff.
"Ludendorff era conhecido como 'o grande homem", relata Larsen. "E a surpresa dramática foi que o velho Ludendorff, com aquele nome fantástico que ainda poderia fazer milagres na Alemanha, se juntou a um homem de quem mais ou menos todos haviam ridicularizado em Munique, Hitler."
Mas a polícia atirou. E este foi o fim do Putsch da Cervejaria.
Símbolo da Alemanha nazista
O confronto durou duas horas e deixou 20 mortos entre policiais e nazistas.
Hitler conseguiu fugir para a casa de seu amigo Ernst Hanfstaengl, que morava perto, e se escondeu por dois dias antes de ser encontrado pela polícia e enviado a julgamento.
Os homens que foram levados para a sala à parte da cervejaria, Von Kahr, von Lossow e von Seisser, disseram mais tarde que haviam sido chantageados.
Hitler foi acusado de alta traição e condenado a cinco anos de prisão. E embora não tenha cumprido a pena (foi libertado após nove meses), a estadia na prisão o ajudou a escrever sua conhecida obra Mein Kampf ("Minha Luta").
Mas, embora o golpe não tenha dado a Hitler o poder que ele esperava, aumentou sua popularidade com os alemães.
Convencido de que não conseguiria tomar o poder por meio de uma rebelião, ele reestruturou o partido nazista e conseguiu, na sequência, levar vários representantes ao Parlamento alemão através de eleições.
Em 1928, o partido nazista tinha 12 dos 491 assentos no Parlamento. E, em 1932, já contava com 230 cadeiras — e mais de 130 mil membros.
Hitler se posicionou como uma figura central na Alemanha e promulgou um programa de 25 pontos que incluía, entre outras coisas, encerrar o Tratado de Versalhes, recuperar territórios da nação e construir uma Alemanha unificada onde apenas seus cidadãos teriam direitos civis.
O golpe também se tornou um símbolo nazista. Os 16 nazistas mortos se tornaram mártires lembrados no prólogo de Mein Kampf.
E todo dia 8 de novembro, Hitler organizava uma passeata simbólica que percorria as ruas de Munique desde a Bürgerbräukeller até o centro da cidade para comemorar o primeiro levante político do partido nazista.
Vítima de atentado
Mas a cervejaria Bürgerbräukeller foi palco de outro evento político que quase mudou radicalmente o destino da Alemanha.
Em 8 de novembro de 1939, 16 anos após o Putsch da Cervejaria, Hitler fazia seu discurso anual na Bürgerbräukeller sem saber que estava sendo tramado no estabelecimento um atentado para assassiná-lo.
Por 30 noites, Georg Elser, um relojoeiro de 36 anos de uma pequena cidade no sul da Alemanha, ficou até tarde na cervejaria, onde trabalhava.
Ele conseguiu instalar uma bomba-relógio em uma das colunas da Bürgerbräukeller.
Se seu plano tivesse funcionado, ele teria matado Hitler e mudado o rumo da Segunda Guerra Mundial, mas o Führer mudou o horário de seu discurso e deixou o local mais cedo, às 21h07.
Treze minutos depois, a bomba explodiu, matando 13 pessoas e ferindo outras dezenas.
A Gestapo, polícia secreta nazista, capturou Elser quando este tentava fugir da Alemanha para a Suíça e o levou a Berlim para interrogatório. Em 1941, ele foi enviado para o campo de concentração de Sachsenhausen; e, em 1944, para o de Dachau, onde foi executado, em 9 de abril de 1945.
Após o atentado, o partido nazista tentou reconstruir a cervejaria; mas a escassez de materiais fez com que o plano nunca fosse totalmente concretizado.
Em seu lugar, está agora o centro cultural Gasteig, sede da Orquestra Filarmônica de Munique.
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