Depoimentos apontam para falta de estrutura na casa onde Maradona morreu, diz jornal - Por Redação do ge — Buenos Aires 01/12/2020
"Olé" cita que local onde ex-jogador estava não tinha equipamentos para emergências, e família discutia contratação de um "médico de cabeceira" para responder pelo craque
A morte de Diego Maradona, na última quarta-feira, por parada cardiorrespiratória, promete render longos capítulos na Justiça argentina. O jornal "Olé" afirma que os depoimentos colhidos nos últimos dias e o material coletado em computadores e celulares indicam que houve brechas que podem ser apontadas como falhas nos cuidados com o ex-jogador em seu processo de recuperação de uma cirurgia no cérebro.
Um dos principais problemas seria a falta de estrutura na casa para onde Maradona foi depois de receber alta, 14 dias antes de morrer. A publicação diz que uma fonte dentro do MP aponta que houve um "descontrole total e absoluto" e aponta que a residência - dentro de um condomínio fechado na região de Tigre - precisou de uma série de adaptações para poder receber o Pibe.
Casa onde Maradona passou últimas semanas de vida ficava em condomínio San Andrés, em Tigre — Foto: Getty Images
A casa contaria com quatro quartos e banheiros privados no segundo andar, onde, porém, Maradona não conseguia chegar. Sem condições de subir e descer escadas, Maradona teria sido acomodado em um quarto infantil, onde teria sido alocado um banheiro químico para o uso do craque. Além disso, uma série de demandas solicitadas pela psiquiatra de Maradona, doutora Agustina Cosachov, não teriam sido atendidas.
O ex-camisa 10 teve alta da Clínica Olivos em 11 de novembro, com a liberação hospitalar assinada por Cosachov e pelo doutor Leopoldo Luque, responsável pela cirurgia que retirou um tumor do cérebro de Maradona - e que era indicado como médico pessoal do argentino nos últimos tempos. O documento também teria as assinaturas das filhas Dalma e Gianinna.
Na ocasião, o hospital teria indicado que Maradona fosse transferido para uma clínica de reabilitação, uma vez que o astro usava muitos remédios e estaria em abstinência pelo uso de bebidas alcoólicias. O ex-jogador, porém, teria se colocado contra uma internação voluntária, e a família não quis forçá-lo. A psiquiatra, então, teria sugerido uma "internação domiciliar", fazendo uma série de indicações estruturais para isso.
É neste ponto que entrariam as brechas que o Ministério Público de San Isidro investiga e pode transformar alguns dos envolvidos em réus por homicídio culposo. As três filhas de Maradona (Jana, Gianina e Dalma) teriam citado "promessas não cumpridas" em seus depoimentos, segundo o "Olé".
O jornal cita que a maioria dos requisitos indicados pela psiquiatra Agustina Cosachov não foram cumpridos. Em carta à empresa Swiss Medical - contratada para cuidar de Maradona em sua recuperação -, Cosachov teria solicitado "enfermeiros, de preferência homens, com disponibilidade total de tempo e especializados em problemas de consumo de substâncias", além de um médico neurologista e outro clínico disponíveis. Ela também teria pedido uma ambulância à disposição e a possibilidade de realizar exames constantemente.
O "Olé" afirma que nas duas semanas em que permaneceu em tratamento na casa, Maradona não passou por qualquer exame, nem mesmo de sangue, e que não foram encontrados remédios para o coração na casa onde estava. Além disso, no local não havia equipamento de oxigênio e desfibrilador.
Neurocirurgião no foco das investigações
Leopoldo Luque, responsável pela cirurgia no cérebro de Maradona, surgiu como grande alvo das críticas dos fãs e como investigado pelo MP. O médico se antecipou à Justiça e se apresentou para depor voluntariamente, mas não pode fazê-lo por ainda não ter sido convocado. Ele concedeu uma entrevista coletiva para se defender no último fim de semana e adotou a linha de que não era exatamente o médico responsável pela saúde de Maradona, uma vez que é um neurologista.
O MP investiga qual era a relação profissional de Luque com Maradona e se os cuidados gerais com a saúde do ex-jogador eram de sua responsabilidade. As filhas de Maradona teriam indicado que Luque como "médico de cabeceira" do pai, aquele que tinha a palavra final nas decisões e comandava o tratamento, sem que nada fosse feito sem sua aprovação.
Policiais em frente à casa do médico Leopoldo Luque durante investigação da morte de Maradona, Adrogue, província de Buenos Aires, na Argentina — Foto: Lara SARTOR / TELAM / AFP
A imprensa argentina trouxe à tona na última segunda imagens de conversas que teriam sido filtradas de um grupo de Whatsapp com as filhas de Maradona, Leopoldo Luque, Agustin Cosachov e o psicólogo Carlos Díaz. Os diálogos, que estariam em poder da Justiça, apontam um debate sobre a contratação de um clínico geral para ser o responsável pelos cuidados de Maradona durante o processo de recuperação da cirurgia, com observação intensiva na casa onde estava.
Nas mensagens, Dalma Maradona diz ter sido informada que o pai vomitou após comer camarões com alho e brócolis e se recusou a chamar uma ambulância para uma revisão geral. A psiquiatra Agustina Cosachov, então, teria recomendado que Diego passasse por exames, mas que a decisão era familiar. A filha de Maradona, então, diz aos irmãos que poderia ser necessário contratar um médico para tomar decisões do tipo.
- Acho que há coisas que nós familiares não podemos decidir, e para isso estaria um médico clínico ou pelo menos seu médico, que responda por ele - escreve Dalma.
Os filhos teriam concluído que era uma ideia positiva a contratação de um médico fixo para ser o responsável pelo tratamento de Maradona, evitando que tantos profissionais estivessem ao redor de seu pai. Isso alimentou as dúvidas se o neurocirurgião era ou não o médico responsável pelas decisões envolvendo o Pibe.
Luque e Maradona ainda na Clínica de Olivos antes da alta do craque — Foto: Reprodução / Instagram
Alvo prioritário da Justiça, a ponto de ter computadores e celulares apreendidos, Leopoldo Luque se defendeu dizendo que era mais um homem de confiança do que o médico responsável por Maradona. E frisou o quanto era difícil lidar com as vontades do ex-jogador.
- Como ele confiava em mim, o que eu fazia era levá-lo a um clínico, a um oftamologista, ir ao dentista. Porque se eu não estava ao lado, ele não se mexia para nada. Mas entendam que era um paciente difícil e que estava lúcido. Nada era feito sem a vontade de Diego - explicou Luque.
O advogado de Maradona, Matías Morla - que foi o primeiro a levantar a hipótese de negligência na morte do craque - saiu em defesa de Luque, em postagem nas redes sociais. Morla apontou que foi testemunha da dedicação do médico a Diego.
- Entendo o trabalho do MP, mas só eu sei, doutor Luque, o que você fez pela saúde de Diego, como cuidou dele, o acompanhou e como ele te amava. Diego te amava, e como amigo dele, não vou te deixar sozinho. Você deixou sangue, suor e lágrimas, e a verdade sempre triunfa - escreveu.
O "Clarín" aponta que a enfermeira Dahiana Madrid relatou que Maradona, uma semana antes de morrer, chegou a ter uma queda em casa e bateu a cabeça. E que, na ocasião, nenhum dos profissionais levou o ex-jogador para o hospital para a realização de uma tomografia. Os familiares, porém, negaram a versão, indicando que a enfermeira "não relatou uma linha" sobre o suposto acidente.
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