Retratos de Wuhan, uma cidade em quarentena vista por dentro - POR: EL PAÍS - JAIME SANTIRSO Wuhan (China) - 30 JAN 2020
CORONAVIRUS DE WUHAN
Metrópole do centro da China, epicentro do coronavírus 2019-nCoV, completa uma semana de isolamento. O correspondente do EL PAÍS retrata seu estranho cotidiano
Faz sete dias que o Governo chinês decidiu cortar os vínculos que uniam Wuhan ao resto do mundo. A cidade permanece cercada desde então, como forma de lutar contra a expansão do coronavírus 2019-nCoV que surgiu ali e já virou uma epidemia global. Esse agente patogênico recém-descoberto provou ser mais contagioso que a SARS (sigla em inglês de síndrome respiratória aguda grave) cujo número de infecções na China já superou, embora seja menos letal. Enquanto isso, e apesar de tudo, a vida dentro de Wuhan continua.
Um voo de ida quase vazio
Apenas uma dezena de passageiros, todos com máscaras. Este era um dos últimos voos com destino a Wuhan naquela quarta-feira, 22 de janeiro. Acabaria sendo um dos últimos voos, ponto, mas isso ninguém sabia então. A epidemia do coronavírus já tinha começado, mas a cidade, de 11 milhões de habitantes, só seria fechada no dia seguinte. A bordo viajava Xian Pin, levado à cidade por um compromisso profissional. “É muito importante, se fosse qualquer outra coisa não me ocorreria ter vindo. Optei por limitar ao máximo a [duração da] minha viagem, por isso amanhã voarei de volta para casa. Estou muito preocupado.”
Supermercados quase vazios
Uma das primeiras consequências do bloqueio foi a avalanche de pessoas rumo a supermercados e shopping centers, em busca de produtos para abastecer suas despensas antes de um isolamento sem prazo para acabar. Tão cobiçadas como os alimentos eram as máscaras, consideradas como a proteção mais importante, e cujo uso é obrigatório em espaços públicos. As pessoas faziam fila nas farmácias para adquiri-las, até que se esgotaram.
“Estou levando máscaras no caminhão”
Para evitar o desabastecimento, o Governo criou um canal especial de suprimento, que chega à cidade em caminhões como o da foto. Este especificamente vinha de uma localidade vizinha na província de Hubei. “Estou levando artigos de primeira necessidade e máscaras”, contava seu motorista, um rapaz muito jovem. O Governo também estabeleceu um controle de preços para evitar a especulação.
Ano novo chinês sem sair de Wuhan
O fechamento da cidade afeta um grande número de pessoas. Muitos passam pelo mesmo que este homem, dono de uma barraca de comida. Durante as férias do Ano Novo chinês, não conseguiu retornar ao seu povoado de origem. Para melhorar a higiene, lava-se no banheiro público da esquina. “Wuhan jiayou!”, gritava ao se despedir. “Ânimo, Wuhan!”, uma expressão de incentivo que se popularizou entre a população.
Termômetros na recepção do hotel
Os controles de temperatura se tornaram algo habitual na cidade. Armada com um termômetro digital, esta funcionária de hotel deve examinar “todas e qualquer pessoa” que entrar no edifício. O que ocorre se a leitura de algum de seus hóspedes indicar febre? “Não tem remédio, é preciso alertar as autoridades.”
Profissionais da saúde trabalham sem descanso
A situação nos hospitais de Wuhan logo começou a ficar dramática. Os profissionais na linha de frente do atendimento põem em risco a sua própria saúde, trabalhando sem descanso e com meios insuficientes. Na segunda-feira, dia 27, morreu o primeiro deles, o cardiologista Liang Wudong, infectado enquanto atendia os doentes. As redes sociais chinesas já os batizaram de baise tianshi: anjos de branco.
Um hospital novo erguido do nada
Na periferia da cidade, o plano é construir em apenas 10 dias um hospital de 1.000 leitos. Um grupo de operários espera a caminhonete que os recolhe para levá-los até o canteiro de obras. Vários carregam colchonetes enrolados, o que leva a crer que passarão a noite em algum lugar próximo à obra. Operários como eles estão ganhando até o triplo do salário habitual, e o ritmo de trabalho não permite nem um momento de pausa. Um deles reconhece que, embora estejam conscientes da importância do seu trabalho, “as condições são muito duras”.
Cães abandonados na cidade
Pela rua aparecem frequentemente cachorros, alguns com coleira e pelo bem cuidado, perambulando sozinhos. A preocupação em evitar qualquer possível fonte de contágio provocou uma onda de abandonos de animais em Wuhan.
Un paseo en bicicleta por una ciudad fantasma. JAIME SANTIRSO
Wuhan, em pleno apogeu econômico
Wuhan é a nona cidade mais populosa da China, com 11 milhões de habitantes. Como todos os grandes núcleos urbanos do país, combina arquitetura moderna com construções humildes. Uma mescla estilística desigual que reflete o vertiginoso crescimento econômico do país nas últimas décadas.
Fé no Governo
A maioria dos wuhaneses tem fé na capacidade das autoridades para fazer frente a esta crise e apoiam a medida de fechar a cidade. Os moradores se limitam a reforçar as precauções e suportam os inconvenientes com estoicismo. Os colégios prolongaram as férias e permanecem fechados até segunda ordem.
A vida continua depois do coronavírus
Apesar de estar isolada do resto do mundo e ameaçada por um vírus desconhecido, a vida em Wuhan continua. E para alguns se parece muito com a de antes.
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