Pular para o conteúdo principal

O que levou o teclado QWERTY, mesmo mais lento, a se tornar tão popular no mundo - Tim Harford* BBC World Service 27 abril 2019


Fotografia do teclado QWERTY em uma máquina de escreverDireito de imagem
GETTY IMAGES
Não é fácil digitar "QWERTY" em um teclado convencional - chamado, justamente, de teclado QWERTY. Meu dedo mindinho da mão esquerda pressiona a tecla shift, enquanto os demais dedos esquerdos apertam, desajeitados, tecla por tecla da linha superior: Q-W-E-R-T-Y.
Essa breve digitação oferece um aprendizado: a posição das teclas é importante. Há formas boas e ruins de ordenar as letras.
Muitas pessoas acreditam que a ordenação do QWERTY é ruim e que foi deliberadamente projetado para ser lento e desajeitado..
No começo dos anos 1980, convenci minha mãe a me deixar usar sua máquina de escrever, uma geringonça milagrosa que poderia me ajudar a superar uma caligrafia horrorosa.
Quando eu pressionava uma tecla, uma alavanca se erguia por trás do teclado e atingia com força uma fita com tinta, gerando uma marca na folha de papel. No final de cada alavanca havia um par de letras em relevo - invertidas, como em um espelho.
Logo eu descobri que, se apertasse diversas teclas ao mesmo tempo, as alavancas iriam se erguer ao mesmo tempo, em direção ao mesmo local. Era algo divertido para um menino de nove anos - mas nada útil para um datilógrafo profissional.
TypewriterDireito de imagemGETTY IMAGES
Datilografar 60 palavras por minuto - nada de mais para um bom datilógrafo - significa que cinco ou seis letras vão atingir o mesmo ponto por segundo. Em uma velocidade como essa, o datilógrafo pode precisar desacelerar um pouco, pelo bem da máquina de escrever. Era isso que o QWERTY fazia.
Porém, se QWERTY realmente foi projetado para ser devagar, por que o par de letras mais popular em inglês, T-H, ficam localizados em uma posição adjacente, ao alcance dos dedos indicadores de cada mão? A trama se complica.
O pai do teclado QWERTY foi Christopher Latham Sholes, que trabalhava com impressão em Wisconsin, Estados Unidos, e vendeu sua primeira máquina de escrever em 1868 para uma faculdade de telégrafos de Chicago. Essa é uma parte importante da história.
A filha de Christopher Latham Sholes (uma senhora já idosa) com a máquina de escrever criada por seu paiDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA filha de Christopher Latham Sholes com a máquina de escrever criada por seu pai
O layout QWERTY foi projetado para a conveniência dos operadores de telégrafo que estavam transcrevendo o código Morse.
É por isso, por exemplo, que o Z fica do lado do S e do E - já que Z e SE são indistinguíveis no código Morse americano. Assim, ao receber esse código, o aparelho receptor do telégrafo aguardava por um instante, até receber mais informações e esclarecer do que se tratava.

Batalha vencida

Então, o QWERTY não foi projetado para ser devagar. Mas, ao mesmo tempo, não foi projetado para nossa conveniência atual.
Assim, por que nós ainda o utilizamos? A resposta simples é que o QWERTY venceu a batalha por ter o domínio desse mercado, nos anos 1880.
O design feito por Sholes foi incorporado pelos vendedores de armas E Remington and Sons. Eles finalizaram o layout e colocaram o produto à venda por $125 - em moeda corrente, em torno de $3000, equivalente a muitos meses de salário das secretárias que utilizavam o equipamento.
Anúncio da máquina de escrever Remington StandardDireito de imagemGETTY IMAGES
Naquele momento, essa não era a única opção de máquina de escrever à venda. Para se ter uma ideia, Sholes foi descrito como o 52º homem a inventar a máquina de escrever. Mas o QWERTY acabou ganhando popularidade.
A empresa Remington logo começou a oferecer cursos de datilografia no padrão QWERTY. Então, em 1893, a empresa se fundiu com quatro de suas rivais e todas aderiram ao QWERTY, que passou a ser chamado de "layout universal".
E foi essa curta batalha pelo domínio do mercado americano, na década de 1880, que acabou determinando o padrão de teclado que usamos hoje no computador, no iPad, no telefone.
É uma pena, porque hoje existem layouts mais lógicos. Especialmente, o Dvorak, projetado por August Dvorak e patenteado em 1932.
O teclado alternativo de August DvorakDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionO teclado criado por August Dvorak agrupa letras que frequentemente são usadas juntas
O padrão Dvorak dá prioridade para a mão dominante - há layouts para destros e canhotos - e posiciona juntas as letras que são mais usadas.
Em 1940, a Marinha americana conduziu um estudo demonstrando que o Dvorak era muito superior. Assim, treinar datilógrafos no método Dvorak valeria muito a pena economicamente.
Então, por que todos nós simplesmente não mudamos para o Dvorak? O problema é coordenar uma grande mudança como essa.
Fotografia de August Dvorak ensinando como digitar no seu teclado na Universidade de Washington, Seattle, em 1932Direito de imagemMUSEUM OF HISTORY & INDUSTRY, SEATTLE
Image captionFotografia de August Dvorak ensinando como digitar no seu teclado na Universidade de Washington, Seattle, em 1932
O QWERTY virou o layout universal, muito antes do surgimento do Dvorak.
A maioria dos datilógrafos foi treinado nesse formato. Qualquer empregador que fosse investir em uma máquina de escrever - naquele tempo, um instrumento muito caro - iria naturalmente preferir o layout que a maioria dos empregados já sabia usar.
Além disso, a economia de larga escala logo fez com que o layout mais usado se tornasse também o modelo mais barato do mercado.
Os teclados Dvorak nunca tiveram nenhuma chance contra o QWERTY.

Estratégia econômica

A partir de agora, nós vamos começar a entender por que esse assunto é importante. Muitos economistas argumentam que o QWERTY é o exemplo por excelência daquilo que chamam de "lock in" - algo como "trancaço".
Não é algo que diz respeito apenas a teclados. Trata, também, do Microsoft Office e do Windows, do controle de Amazon sobre o mercado online e a dominância do Facebook sobre as redes sociais.
Se todos os seus amigos usam apps do Facebook, como Instagram e WhatsApp, isso não acaba lhe forçando a utilizar o padrão QWERTY?
Enfim, esse assunto importa. O "trancaço" é amigo dos monopólios, inimigo da competição, e pode exigir uma resposta enérgica dos reguladores.
Mas, por outro lado, é possível que os padrões se tornem dominantes não por um "trancaço", mas apenas porque as alternativas não são tão atrativas.
Considere o famoso estudo da Marinha americana, que demonstrou a superioridade do teclado Dvorak. Dois economistas, Stan Liebowitz e Stephen Margolis, reavaliaram o estudo e concluíram que era falho. E levantaram suspeitas a respeito do homem responsável por supervisioná-lo, um antigo especialista da Marinha, um tenente comandante chamado... August Dvorak.
Liebowitz e Margolis não negam que o layout Dvorak pode ser melhor. É utilizado, por exemplo, pelos dois datilógrafos mais rápidos do mundo. Em 2008, Barbara Bradford bateu o recorde ao manter uma velocidade de 150 palavras por minuto ao longo de 50 minutos - e atingiu uma velocidade máxima de 212 palavras por minuto, usando o teclado Dvorak.
Mas os dois economistas não se convenceram de que toda a sociedade estivesse ansiosa por trocar o teclado por um mais eficiente.
E, de fato, hoje em dia, a maioria de nós responde a e-mails em celulares e gadgets, que permitem trocar o layout do teclado. Windows, iOS e Android geralmente disponibilizam layouts de Dvorak.
Teclado Dvorak no iPhone
Image captionComo o teclado Dvorak fica no iPhone
Assim, você não precisa mais persuadir seus colegas de trabalho, outros empregadores e escolas a trocarem de teclado com você. Se você quiser, basta utilizar. Ninguém irá sequer notar.
Apesar disso, a maioria de nós se mantém no QWERTY. A porta não está mais trancada, mas a gente nem se preocupa em sair.
O trancaço parece estar internalizando a posição das empresas mais valiosas e poderosas do mundo - incluindo Apple, Facebook e Microsoft. Talvez, esses cadeados sejam tão inquebráveis como o padrão QWERTY foi um dia.
* Tim Harford escreve a coluna "Untercover Economist", do Financial Times. Esse texto faz parte da série "50 Things That Made the Modern Economy", transmitida pela BBC World Service.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Carta das Centrais Sindicais ao Presidente Bolsonaro

“EXMO. SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO MD. PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL BRASÍLIA – DF Senhor Presidente, As Centrais Sindicais que firmam a presente vem, respeitosamente, apresentar-se à Vossa Excelência com a disposição de construir um diálogo em benefício dos trabalhadores e do povo brasileiro. Neste diálogo representamos os trabalhadores, penalizados pelo desemprego que atinge cerca de 12,4 milhões de pessoas, 11,7% da população economicamente ativa (IBGE/PNAD, novembro de 2018) e pelo aumento da informalidade e consequente precarização do trabalho. Temos assistido ao desmonte de direitos historicamente conquistados, sendo as maiores expressões desse desmonte a reforma trabalhista de 2017, os intentos de reduzir direitos à aposentadoria decente e outros benefícios previdenciários, o congelamento da política de valorização do salário mínimo e os ataques à organização sindical, as maiores expressões deste desmonte. Preocupa-nos sobremaneira o destino da pol

19 Exemplos de publicidade social que nos fazem pensar em problemas urgentes - POR: INCRÍVEL.CLUB

Criadores de propagandas de cunho social têm um grande desafio: as pessoas precisam não apenas notar a mensagem, mas também lembrar dela. Você deve admitir que, mesmo passados vários anos, não consegue tirar da cabeça algumas peças publicitárias desse tipo, que fizeram com que passasse a enxergar determinadas situações sob uma outra ótica. Se antes as propagandas sociais abordavam tmas como a poluição do meio ambiente com plástico e o aquecimento global, hoje existem campanhas sobre os perigos do sedentarismo, os riscos que o tabagismo representa aos animais em decorrência do aumento de incêndios florestais e até sobre a importância das férias para a saúde humana. São, portanto, peças que abordam problemas atuais e familiares para muita gente. Neste post, o  Incrível.club  mostra a você o que de melhor foi criado recentemente no campo das propagandas de cunho social. Fumar não é prejudicial apenas à sua saúde, mas também aos animais que vivem em áreas que sofrem com incênd

Empresas impõem regras para jornalistas

REDE SOCIAIS Por Natalia Mazotte em 24/5/2011 Reproduzido do Jornalismo nas Américas http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/ , 19/5/2011, título original: "Site de notícias brasileiro adota regras para o uso das redes sociais por jornalistas"; intertítulo do OI Seguindo a tendência de veículos internacionais , o site de notícias UOL divulgou aos seus jornalistas normas para o uso de redes sociais , de acordo com o blog Liberdade Digital. As recomendações se assemelham às já adotadas por empresas de notícias como Bloomberg , Washington Post e Reuters : os jornalistas devem evitar manifestações partidárias e políticas, antecipar reportagens ainda não publicadas ou divulgar bastidores da redação e emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a imagem do site. Segundo um repórter do UOL, os jornalistas estão tuitando menos desde que as diretrizes foram divulgadas . "As pessoas estão tuitando bem menos. Alguns cogitam deletar seus p