Foi assim que o WhatsApp virou um antro de propaganda nazista na Alemanha - publicado 3 de Maio de 2019, Karsten Schmehl Karsten Schmehl BuzzFeed-Redaktion, Deutschland
O BuzzFeed News documentou o uso de centenas de stickers antissemitas ou pró-nazismo em grupos do WhatsApp — apesar de as imagens serem ilegais na Alemanha.
BERLIM — Usuários do WhatsApp na Alemanha estão espalhando propaganda de extrema-direita por meio do uso de stickers e correntes, e a plataforma não faz praticamente nada para impedir, apesar de as leis locais proibirem o uso de imagens de cunho nazista.
Em novo grupos do WhatsApp que o BuzzFeed News observou desde outubro, dezenas de milhares de mensagens foram trocadas entre usuários de extrema-direita. Entre elas, havia símbolos glorificando Adolf Hitler e o Terceiro Reich, imagens profundamente antissemitas criadas usando a função "sticker" do WhatsApp, e mensagens buscando incitar violência e ameaças contra esquerdistas ou refugiados.
Os grupos tinham nomes como "A Onda Alemã" e "Ku Klux Klan Internacional". Em alguns momentos, entre 90 e 250 pessoas participaram dos grupos, perto do tamanho máximo permitido pelo WhatsApp.
Em outubro do ano passado, o WhatsApp introduziu a chamada função de stickers na Alemanha, que permite aos usuários escolherem entre imagens predefinidas para incluir em suas conversas ou criarem as suas próprias. O Fórum Judaico pela Democracia e contra o Antissemitismo, um grupo de defesa sediado em Berlim, chamou a atenção rapidamente para o surto de stickers com temas nazistas.
"Assim que o WhatsApp tornou possível criar e usar stickers, extremistas de direita inundaram as conversas em grupo com simbolismo nazista", o grupo escreveu em outubro, perguntando à plataforma como isso poderia ser combatido no futuro.
"Esses stickers antissemitas são inaceitáveis, e nós não os queremos no WhatsApp", um porta-voz do WhatsApp escreveu em e-mail ao BuzzFeed News em novembro. "Nós reprovamos veementemente essa difusão de ódio. Se um usuário receber um sticker com conteúdo ilegal, pedimos que ele o denuncie ao WhatsApp."
Mas quando o BuzzFeed News entrou em contato novamente no mês passado para questionar ao WhatsApp sobre quantas denúncias de conteúdo possivelmente ilegal foram recebidas desde então, a empresa recusou-se a responder a perguntas específicas.
"Como provedores de serviço de mensagens, nós não temos acesso a mensagens particulares trocadas pelos usuários", um porta-voz do WhatsApp disse ao BuzzFeed News em declaração por e-mail. "Incentivamos as pessoas a denunciar os problemas ao WhatsApp para garantir a segurança da nossa plataforma."
O WhatsApp, uma empresa de propriedade do Facebook desde 2014, vem mostrando dificuldade em conter a difusão de desinformação e racismo em sua plataforma nos últimos anos. Esse é um problema especialmente grave na Alemanha, onde, ao fim da Segunda Guerra Mundial, o estado aprovou leis rigorosas contra o uso e divulgação de imagens, slogans e propaganda nazistas.
As correntes de mensagens compartilhadas entre os grupos — em que é possível entrar via convite — não são exatamente sutis. Uma mensagem, compartilhada em diversos grupos do WhatsApp nos últimos meses, começa com as palavras: "Você foi 'hitlerizado'. 'Hitlerize' pelo menos outras 5 pessoas, ou, em 88 dias, um judeu ganancioso vai roubar todo o seu dinheiro e estuprar você."
"Envie esta mensagem a todos que você conhece e contribua com a Operação Natal Branco", a mensagem continua, seguida de uma imensa suástica, uma imagem de Adolf Hitler e a frase "Corra, Ali, corra".
"Para cada pessoa que repassar esta mensagem, um imigrante será enviado ao seu país de origem", a mensagem concluiu.
Em um dos grupos do WhatsApp — que tinha mais de 200 membros — onde a mensagem foi compartilhada, muitos dos membros responderam imediatamente com risadas e um destes emojis: 🙋. Para os participantes, essa é uma maneira digital de enviar uma saudação nazista.
O BuzzFeed News catalogou mais de 200 stickers diferentes do WhatsApp que exibiam conteúdo incitador, violento ou antissemita. Alguns stickers mostram símbolos proibidos pela lei alemã, incluindo runas da SS, a insígnia da SS, bandeiras e suásticas.
O advogado alemão especializado em mídia Christian Solmecke disse ao BuzzFeed News que usuários que enviam imagens proibidas em uma conversa particular no WhatsApp para uma única pessoa ou algumas pessoas que eles conheçam em grupos fechados do WhatsAapp não serão punidos pelas autoridades.
"Mas se a imagem for enviada a um grupo do WhatsApp com muitos membros, dependendo do tamanho do grupo, ela pode rapidamente se tornar uma ofensa criminal", ele acrescentou, pois nesse caso a lei alemã considera que há uma "quantidade incontrolada de participantes".
Em pelo menos um caso, a distribuição de símbolos ou slogans proibidos da SS no WhatsApp teve consequências legais. Em 2017, um jovem de 14 anos foi condenado por espalhar propaganda nazista (relatou o Süddeutsche Zeitung), depois que seus pais descobriram conversas no celular do filho em que os participantes zombavam de judeus e exaltavam a SS.
Os pais denunciaram os grupos à polícia — a acusação que resultou da denúncia pode chegar a cerca de 180 pessoas.
O ódio nos grupos geralmente é direcionado a diversos alvos genéricos, incluindo judeus, muçulmanos e imigrantes. Algumas vezes, a intolerância dos membros é direcionada de maneira mais específica. O BuzzFeed News documentou quase 30 casos ao longo dos últimos meses em que os grupos divulgaram o número de telefone de pessoas que eles decidiram que deveriam ser atacadas e ameaçadas.
David Begrich, que estuda extremismo de direita, diz que surge uma grande dificuldade ao tentar controlar o conteúdo de um serviço como o WhatsApp. "Você também precisa se perguntar se realmente quer esse controle sobre o WhatsApp para poder acessar o conteúdo de conversas que seriam particulares."
O BuzzFeed News entrou em contato com os participantes mais ativos de alguns dos grupos de extrema-direita. Um homem do estado alemão da Turíngia concordou em falar por telefone, mas não informou seu nome.
Ele disse que tem vinte e poucos anos e está ativo na cena da extrema-direita há anos. Ele viu um link de convite para um dos grupos de extrema-direita do WhatsApp pela primeira vez no Facebook. A partir desse primeiro grupo, ele foi entrando em outros, por meio de links de convite. Um dos convites prometia que as pessoas do grupo "também não queriam estrangeiros".
O BuzzFeed News encontrou vários casos nas conversas em grupo em que ele tinha enviado dezenas de stickers do WhatsApp com suásticas e slogans de "Heil Hitler". "Eu escrevi isso quando estava bêbado", o homem disse. Para ele, o grupo era um lugar para reunir pessoas com mentalidade parecida, e ele participava por estar entediado. "Eu já faço parte da direita, mas não demonstro de outras formas em público."
Este post foi traduzido do inglês.
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