A história completa do extraordinário resgate dos meninos da caverna na Tailândia - 16 julho 2018 - POR: BBC BRASIL
Em 23 de junho, 12 meninos foram passear pela província tailandesa de Chiang Rai com seu técnico de futebol – e terminaram presos dentro de uma caverna em uma montanha. Helier Cheung e Tessa Wong, da BBC, estavam lá enquanto uma dramática tentativa de resgate prendia as atenções do mundo.
O que se sucedeu naquelas duas semanas foi uma notável história de amizade e resistência humana – e de até onde algumas pessoas estão dispostas a ir para salvar os filhos dos outros.
Nossos repórteres contam aqui a história completa dos Javalis Selvagens.
A festa de aniversário que deu errado
Tudo começou com um aniversário.
No sábado, 23 de junho, Peerapat Sompiangjai fez 17 anos – algo que a maioria dos jovens pelo mundo gostaria de celebrar com estilo.
Sua família havia preparado um bolo de aniversário amarelo do Bob Esponja e muitos presentes com embrulhos coloridos em sua casa, em um vilarejo rural do distrito de Mae Sai.
Mas o jovem não correu para casa naquele dia. Ele estava com seus amigos, os outros jogadores do time juvenil Javalis Selvagens, e seu técnico-assistente, Ekkapol "Ake" Chantawong.
Quando o treino terminou, eles atravessaram campos de arroz com suas bicicletas e subiram morros com florestas, encharcadas pela chuva dos últimos dias.
Seu destino: a caverna Tham Luang, um passeio valorizado entre os meninos, que adoravam explorar as grutas e reentrâncias da cadeia montanhosa que se projeta sobre Mae Sai.
Assim que chegaram à garganta de Tham Luang, eles largaram bicicletas e mochilas na entrada da caverna.
O time e seu jovem técnico estavam prontos para celebrar o aniversário de Sompiangjai. Eles visitavam com frequência o local, às vezes percorrendo até 8 km ali dentro, durante ritos iniciáticos em que escreviam os nomes de novos jogadores do time numa parede.
Dispostos e animados, eles entraram ali só com suas lanternas. Não precisavam de muito além disso – afinal, planejavam passar uma hora lá.
Eles só sairiam duas semanas depois.
Na casa de Sompiangjai, o bolo de aniversário ficou intocado. A família começou a se preocupar.
Onde estavam os Javalis Selvagens?
De inofensiva a extremamente perigosa
Serpenteando por 10 km sob a cadeia montanhosa que separa a Tailândia de Mianmar, Tham Luang é o quarto maior sistema de cavernas do país.
Seu nome completo é Tham Luang Khun Nam Nang Non – "a grande caverna e fonte de água da mulher adormecida da montanha".
Rica em histórias de folclore, é um destino popular para viagens curtas – e crianças aventureiras.
Ela tem seus riscos: pessoas já sumiram em Tham Luang no passado. E quando a temporada de monções começa, em julho, a caverna deixa de ser inofensiva e se torna extremamente perigosa.
O local pode ficar inundado com até 5 metros de água durante a temporada chuvosa, e só deve ser visitada entre novembro e abril.
"A água está se movendo, está barrenta e quase não há visibilidade", disse o guia local Joshua Morris à BBC.
E quando a caverna alaga, torna-se perigosa até para mergulhadores experientes.
Quase todos em Mae Sai sabem disso. Por isso, quando os pais dos Javalis Selvagens começaram a se preocupar com os meninos, foram direto para a caverna. Os planos de visita ao local dos jovens já haviam sido discutidos em grupos em aplicativos de mensagens.
Eles encontraram as bicicletas, as mochilas e algumas chuteiras do lado de fora – e acionaram o alarme.
Os meninos, as rochas e a água
Nas profundezas da caverna, os Javalis Selvagens se viram em apuros. Estava chovendo fazia alguns dias, e toda a água que caía na montanha precisava ir a algum lugar.
Esse lugar era a caverna Tham Luang, que estava enchendo rápido.
Relatos iniciais vindos dos meninos indicam que eles foram surpreendidos por uma tromba d'água. Eles precisavam sair, mas não tinham alternativas a não ser entrar mais fundo na caverna.
Os Javalis Selvagens acabaram ilhados numa pequena saliência rochosa a cerca de 4 km da entrada da caverna, depois de um ponto normalmente seco conhecido como praia Pattaya, mas que àquela altura já estava inundado.
Engolidos por uma montanha hostil e rodeados pela escuridão, os meninos e o técnico perderam a noção do tempo. O medo, e talvez até o terror, teriam certamente os dominado.
Mas eles estavam, acima de tudo, determinados a sobreviver. O grupo usou pedras para cavar um buraco de cinco metros onde pudessem ficar juntos e aquecidos.
O técnico Ake, um ex-monge, ensinou aos meninos técnicas de meditação para ajudá-los a ficar calmos e usar o mínimo de ar possível – e pediu que ficassem parados para poupar força.
Mas uma série de circunstâncias extraordinárias também atuou em favor do grupo.
Eles não tinham comida – mas tinham acesso a água potável na forma de gotas que caíam das paredes da caverna.
Estava escuro, mas eles tinham lanternas. Também havia oxigênio suficiente – porque as rochas porosas permitiam a entrada de ar.
Eles contavam com as condições necessárias para sobreviver, pelo menos por um tempo. E, o mais importante, os Javalis Selvagens tinham uns aos outros.
Só faltava a parte mais difícil – torcer por um resgate.
Corrida contra o tempo
Fora da caverna, uma grande operação de buscas estava sendo rapidamente montada.
Autoridades convocaram a unidade de elite da Marinha tailandesa, a polícia nacional e outras equipes de resgate. Voluntários locais também se apresentaram.
Investigações iniciais encontraram pegadas em uma das câmaras da caverna – mas nenhum outro sinal de que os meninos ainda estivessem vivos.
Os Javalis Selvagens estavam em algum ponto dos túneis tortuosos de Tham Luand – mas onde exatamente? E como as equipes poderiam chegar até eles?
Examinar a caverna era um desafio – a maioria dos mergulhadores da Marinha tinha pouca experiência em cavernas. E o tempo estava implacável – fortes chuvas continuavam a elevar o nível de água, alagando câmaras e impedido o acesso a partes da caverna.
Engenheiros tentavam desesperadamente bombear água para fora da caverna – mas tiveram dificuldades, pelo menos no início.
No começo, "ninguém tinha ideia do que fazer", disse um voluntário. Os grupos trouxeram todo tipo de equipamento – pequenas bombas d'água, longos tubos, facas e pás –, mas quase tudo não tinha utilidade.
Eles tentaram até perfurar as laterais da montanha, tentando achar vãos pelos quais pudessem alcançar o interior da caverna, e usaram drones com sensores térmicos para tentar localizar os meninos.
As equipes também pediram ajuda aos moradores. Os soldados tailandeses encontraram um membro do time que tinha faltado à expedição. Ele recordou um lugar que o grupo visitara no passado, chamado praia Pattaya.
Estariam lá os 13 desaparecidos?
Corrente de esperança
Em meio à correria da operação de resgate, um pequeno grupo fazia vigília na entrada da caverna.
Eram as famílias dos jovens, que rezavam por suas vidas. Entre eles estava Tum Kantawong, madrinha do técnico Ake.
Todos os dias ela subia a montanha, levando frutas, incenso e velas. "Era para mostrar respeito ao espírito que protege a caverna. Eu pedi que protegesse os 13 meninos", ela disse.
O grupo gradualmente cresceu, incorporando professores das escolas frequentadas pelos Javalis Selvagens.
"Queríamos ser os primeiros a dar as boas-vindas aos meninos quando eles saíssem", disse a administradora escolar Ampin Saenta, que disse ser tão próxima de um menino, Adul, que se chama de "mãe-professora" dele.
Colegas dos Javalis Selvagens faziam orações coletivas, cantavam músicas motivacionais na entrada da caverna, dobravam origamis e escreviam mensagens de esperança em quadros de avisos nas escolas.
Moradores se uniram ao grupo, doando dinheiro e comida aos parentes dos meninos e seu técnico.
Esse senso de comunidade começou a se espalhar rapidamente, conforme a história ganhou a atenção nacional. Voluntários de outras partes da Tailândia chegaram, enquanto as mídias sociais transbordavam de mensagens de amor e solidariedade.
Mas o caso estava prestes a ficar ainda maior.
A ajuda que veio de longe
Os primeiros estrangeiros a se somar às operações de resgate chegaram em 28 de junho.
Eram especialistas da Aeronáutica americana e mergulhadores de cavernas do Reino Unido, Bélgica, Austrália, países escandinavos e muitos outros.
Alguns eram voluntários, e outros foram chamados por autoridades tailandesas.
Mais pessoas se incorporaram ao esforço quando ficou claro que o trabalho de buscas seria monumental.
Nos dias seguintes, eles e os mergulhadores tailandeses travaram uma batalha contra as condições. Eles tinham de nadar contra uma forte correnteza, e eram frequentemente expelidos pelos níveis crescentes de água.
No domingo, 1º de julho, uma semana depois do desaparecimento dos meninos, as equipes conseguiram avançar. Elas alcançaram uma grande caverna posteriormente chamada de "câmara três", que serviu como base para os mergulhadores.
Era o aniversário de Note – um dos jogadores. O grupo, contudo, continuava desaparecido.
Mas não por muito tempo. No dia seguinte, dois mergulhadores britânicos fizeram uma descoberta incrível.
'Treze? Excelente!'
John Volanthen e Rick Stanton estavam explorando os túneis estreitos e lamacentos da caverna por vários dias, buscando sinais de vida.
Na segunda, os dois finalmente chegaram à praia Pattaya. Mas não havia nada ali.
Eles continuaram em direção à escuridão. Então, algumas centenas de metros à frente, encontraram um bolsão de ar.
"Sempre que havia bolsões de ar, nós subíamos, gritávamos, cheirávamos", John disse à BBC. É um procedimento padrão para operações de resgate como essa.
"Sentimos o cheiro das crianças antes de vê-las ou ouvi-las."
Logo, a lanterna de John iluminou algo eletrizante: os meninos surgiram do escuro e se aproximaram da borda, onde estava o mergulhador.
Rick começou a contar os meninos e John perguntou quantos eles eram. "Treze!" A resposta veio em inglês. "Treze? Excelente!", respondeu um dos mergulhadores.
Rick não acreditou no que viu. Ao lado de John, ele diz: "Estão todos vivos!".
Os Javali Selvagens foram, enfim, encontrados.
Os dois mergulhadores ficaram um tempo com os meninos, tentando animá-los. Eles deixaram lanternas com os garotos e prometeram voltar com comida.
Do breu para o mundo
O momento em que os dois britânicos encontram os meninos presos na caverna foi filmado – e rapidamente postado online.
A partir de então, o mundo passou a acompanhar o drama para tirar o grupo da caverna.
Aflitos durante toda a semana anterior, os pais dos Javalis Selvagens ficaram extasiados ao ver que seus filhos sobreviveram milagrosamente. Eles pareciam mais magros, mas estavam em boas condições físicas.
Um médico militar e mergulhadores da Marinha tailandesa se juntaram aos meninos e ficaram com eles na caverna até o último ser resgatado.
Depois de passarem nove dias no escuro, os Javalis viram a luz novamente. Também puderam se alimentar, e pediram por um pad krapao, um prato tailandês com arroz cozido, carne frita e manjericão.
Mas, por determinação médica, primeiro eles precisaram seguir uma dieta especial, com alimentos líquidos e água mineral com vitaminas.
Um dos garotos, Dom, passou o aniversário na caverna.
E, por dias, as equipes de resgate trabalharam para encontrar uma forma de tirar os 13 – alguns dos meninos não sabiam nadar – daquele conjunto de cavernas sinuosas e inundadas de 4 km de comprimento onde até mesmo mergulhadores experientes estavam enfrentando dificuldades para se deslocar.
"O tempo não está do nosso lado porque espera-se chuva forte dentro de três dias", disse o mergulhador Ben Reymenants à BBC na ocasião.
Cidade improvisada
A surpreendente descoberta das crianças nas profundezas de uma caverna fez com que a pequena cidade Mae Sai fosse sugada para o centro das atenções internacionais.
Durante a noite, jornalistas de todo o mundo foram para a área onde fica a caverna, enquanto voluntários de resgate de todo o mundo começaram a chegar.
No Twitter, Thanyarat Doksone, da BBC, escreveu que havia de 200 a 300 jornalistas no local.
Uma pequena cidade improvisada surgiu na área rural ao lado da entrada da caverna. Barracas foram erguidas, algumas delas por integrantes da cozinha real tailandesa, e passaram a servir, de graça, bebidas, macarrão, arroz com frango e até picolés.
Não havia nenhuma tarefa considerada inferior.
Os banheiros do estacionamento estavam sujos e sobrecarregados. Então, as pessoas começaram a limpá-los. Para os que precisavam subir e descer a montanha, motoristas ofereciam caronas grátis. As equipes de resgate ficavam imundas de lama, então uma lavanderia local passou a lavar a roupa deles todas as noites.
Tudo parecia ir bem, até que um acidente fatal deixou todo mundo arrasado.
A morte de um herói
Mergulhador aposentado da Marinha tailandesa, Saman Gunan era um dos voluntários que correram até o local para ajudar no resgate.
No dia 6 de julho, ele fazia um mergulho de rotina para levar tanques de ar ao grupo na caverna quando ficou inconsciente após ficar sem ar.
O parceiro de travessia tirou o homem da água e tentou reanimá-lo. Mas Saman não pôde ser salvo, morrendo aos 38 anos de idade. O funeral foi no dia seguinte. Monges budistas rezaram por ele enquanto queimavam incensos.
"Saman uma vez falou que nunca saberemos quando vamos morrer... então precisamos valorizar cada dia", lembrou sua mulher, Waleeporn Gun.
A morte de Saman reforçou o perigo e os riscos da missão de resgatar os meninos e seu treinador. O mergulhador era treinado, saudável e tinha até mesmo representado a Tailândia em competições de triathlon.
Ratdao Chantapoon, mãe de Note, um dos 12 meninos, disse então a um amigo: "A Marinha o treinou por tanto tempo, e ele era tão forte... mas morreu. E um menino que nunca mergulhou na vida?".
Havia outra coisa com que se preocupar também: apesar dos esforços para reabastecer a caverna com ar, os níveis de oxigênio no local caíram para 15%, abaixo dos habituais 21%.
Eles estavam correndo contra o tempo.
As equipes de resgate identificaram três possíveis opções:
- Treinar os meninos para mergulhar pelos canais inundados – solução com tamanho potencial para terminar em desastre que foi considerada um último recurso;
- Bombear água para fora da caverna e esperar as cheias retrocederem naturalmente, mas isso poderia demorar até quatro meses;
- Procurar ou furar um caminho alternativo até a caverna.
Mergulhadores começaram a fazer simulações com garotos da comunidade em uma piscina na tentativa de descobrir a melhor forma de transportar o grupo debaixo d'água em segurança.
Enquanto isso, outras possíveis soluções, como a oferta de um submarino infantil projetado pelos engenheiros do bilionário empreendedor sul-africano Elon Musk, foram rejeitadas ou consideradas inadequadas.
A equipe de resgate enfrentou dificuldades até mesmo com tarefas aparentemente simples, como garantir oxigênio e linhas de telefone na caverna, mas que pareciam impossíveis por causa do traçado do caminho, similar a um labirinto.
No dia 6 de julho, conseguiu-se estabelecer suprimento de oxigênio. Os garotos se comunicavam com as famílias por cartas.
Os textos foram divulgados pela Marinha tailandesa e são emocionantes. Com orações e rostos sorridentes desenhados, os garotos diziam aos pais repetidas vezes que os amavam e pediam que não se preocupassem.
Eles listaram as comidas que queriam: frango frito e torresmo. Um deles até fez uma piadinha: pediu à professora que não lhes dessem muito dever de casa.
Em uma das cartas, o treinador pediu desculpas aos pais. Em vez de reclamações, recebeu como resposta apenas amor. "Treinador Ake, eu realmente lhe agradeço por cuidar de todas as crianças e mantê-las em segurança", escreveu um parente de um menino.
Dia 'D'
No domingo, dia 7 de julho, já haviam se passado duas semanas desde o dia em que os Javalis Selvagens entraram na caverna.
Do nada, as autoridades tailandesas anunciaram que iriam começar o resgate – e naquele momento.
"Não haverá outro dia em que estaremos mais preparados do que hoje", disse Narongsak Osotthanakorn, chefe das operações.
Jornalistas e voluntários foram retirados dos arredores da caverna – e de repente, um estado de ânimo ultrapassou os limites do acampamento, contagiando muita gente no mundo inteiro.
Por que a decisão súbita? A chuva que caía sobre Mae Sai incessantemente nos últimos dias parou, dando à equipe de resgate uma rara oportunidade.
Moradores locais também haviam dito à Marinha que todos os anos, perto do dia 10 de julho, o complexo de cavernas Tham Luang ficava completamente inundado.
Era, portanto, hora de dar início ao que depois foi descrito como um esforço sobre-humano, que envolveu cerca de cem mergulhadores tailandeses e estrangeiros.
Percurso aterrorizante
Os especialistas dividiram a "jornada" em duas etapas.
O percurso mais difícil ia da elevação rochosa onde os garotos estavam à câmara três. Os socorristas seguiam por horas pelas águas escuras e geladas, sentindo o caminho com cordas-guia. Às vezes, tinham que percorrer seções tão estreitas que só conseguiam comportar um corpo por vez.
Cada garoto foi preso a um mergulhador e ganhou uma máscara de ar que cobria todo o rosto, para garantir que pudessem respirar. Um segundo mergulhador acompanhava a dupla.
Um cilindro com oxigênio foi amarrado na frente de cada criança. John, o britânico que encontrou os meninos, usou uma espécie de sacola de supermercado para levar o equipamento e permitir manobras diante de obstáculos.
Nas passagens mais estreitas, os socorristas tinham de soltar os tanques de oxigênio para conseguir passar e puxar os meninos.
Se era um percurso aterrorizante para mergulhadores experientes, imagine para crianças que não sabiam nadar.
O governo tailandês informou que os meninos e o técnico receberam apenas medicamentos ansiolíticos para relaxar – mas várias fontes disseram à BBC que os 13 estavam bastante sedados e apenas semiconscientes durante a viagem, para garantir que não entrassem em pânico.
Quando chegaram à chamada câmara três, era hora da segunda etapa do percurso, que durava algumas horas.
Cada menino foi preso em uma maca e carregado por uma equipe de pelo menos cinco homens. Em um determinado momento, os socorristas tiveram que colocar a maca em uma jangada e puxá-la por uma poça de água.
Eles tiveram que içar os meninos para transportá-los morro acima. Em alguns trechos rochosos, formaram uma corrente humana, passando-os de mãos em mãos. Em outros pontos, deslizaram os jovens sobre canos jorrando água.
Para o mergulhador Ivan Karadzic, tratou-se de uma experiência extremamente estressante.
Posicionado na metade do caminho dentro da caverna, ele era responsável por trocar os tanques de ar e guiar os mergulhadores pelos túneis.
Ele lembra claramente da tensão que sentiu quando o primeiro menino surgiu na escuridão. "Não sabia se era um morto ou ferido ou uma criança", ele disse à BBC.
"Mas quando vi que ele estava vivo e respirando... a sensação foi muito boa."
A luta contra as águas
Um por vez, os Javalis Selvagens foram trazidos da escuridão de Tham Luang. Eles receberam oxigênio antes de serem levados de ambulância a um hospital na cidade de Chiang Rai.
Os socorristas os retiraram em três operações ao longo de três dias, pois precisavam de tempo para reabastecer os tanques de ar.
Estavam sob pressão. No momento em que o último grupo de meninos e o treinador deixaram a caverna, os níveis de água estavam subindo outra vez, atingindo 30 cm em uma hora, segundo o soldado Supachai Tanasansakorn.
Era terça-feira, 10 de julho – o dia em que, segundo os moradores, a caverna ficaria completamente alagada.
Mas enquanto os meninos saíam, ainda havia pessoas dentro de Tham Luand – os mergulhadores e médicos que haviam cuidado dos Javalis Selvagens, assim como Richard Harris, um famoso médico e especialista em mergulho em cavernas.
Eles surgiram pouco depois da retirada do último menino. De repente, o bombeamento deixou de funcionar – alguns dizem que falhou; outros, que foi desligado.
As águas então invadiram a caverna, provocando a fuga de trabalhadores que limpavam o terreno.
Foi um feito e tanto: depois de duas agonizantes semanas na caverna tailandesa, os meninos e o técnico estavam finalmente sãos e salvos.
A Marinha tailandesa postou no Facebook: "Não temos certeza se isso é um milagre, ciência ou o sei lá o quê."
Em Chiang Rai, multidões exaltadas tomaram as ruas em volta do hospital, festejando as ambulâncias. Carros buzinavam sem parar em celebração.
As mídias sociais na Tailândia se encheram de postagens com agradecimentos aos socorristas e o termo #Hooyah, o grito de guerra da Marinha.
Por todo o mundo, milhões de pessoas que que acompanhavam a história com apreensão também celebraram o retorno dos Javalis Selvagens.
Mas foi uma noite de sentimentos contrastantes para uma pessoa – Richard Harris. O abnegado médico, que encurtou suas férias na Tailândia para ajudar a salvar as vidas dos meninos, recebeu então a terrível notícia de que seu pai havia acabado de morrer.
Juntos de novo (na quarentena)
Com roupas hospitalares e máscaras faciais, os meninos tailandeses se sentaram nas camas e acenaram para o mundo.
Na quarta, dia 11 de julho, a imprensa viu pela primeira vez os Javalis Selvagens em um vídeo da Marinha. Alguns faziam sinais de vitória para a câmera.
Seus pais, que haviam esperado tanto tempo para revê-los, não estavam ao lado deles. Os familiares ficaram atrás de uma janela, alguns soluçando de alegria com a presença dos meninos.
O governo disse que seria necessário submeter os jovens a uma quarentena para proteger o grupo e outras pessoas de infecções – embora isso não tenha impedido o primeiro-ministro Prayuth Chan-ocha de visitá-los. Os pais não reclamaram publicamente contra as regras rígidas.
No hospital, os meninos e o técnico fizeram uma série de exames. Tapa-olhos foram essenciais no início – seus olhos, acostumados a duas semanas de escuridão, não conseguiam suportar a luz.
Funcionários do hospital disseram que alguns tinham pequenas infecções nos pulmões e nos olhos, e precisavam de antibióticos. Fora isso, pareciam estar se recuperando.
Até que os pais foram finalmente autorizados a visitar rapidamente os meninos – embora tivessem de manter dois metros de distância e vestir máscaras e roupas hospitalares.
Alguns dos meninos conseguiram voltar a se alimentar normalmente, depois de passar dias comendo chocolate e outras guloseimas favoritas.
Quanto aos socorristas, ainda estão digerindo o feito sem precedentes.
"Não achamos que essa missão seria bem-sucedida assim", disse o líder da equipe da Marinha tailandesa, Arpakorn Yuukongkaew.
No início das operações, o grupo tinha apenas "um pouco de esperança de que eles pudessem ainda estar vivos".
"No fim, aquela pequena esperança se tornou realidade."
Uma história incrível que não termina aqui
Muitos achavam que a história dos desaparecidos Javalis Selvagens terminaria em tragédia.
Em vez disso, porém, tornou-se uma história de esperança e sobrevivência – e de pais e filhos reunidos.
É uma história sobre pessoas comuns do mundo todo se unindo em uma cidade distante no norte da Tailândia com uma missão: salvar 12 meninos e seu técnico.
"Se você pudesse fazer o mesmo pelo filho de outra pessoa, você faria", John disse a repórteres após voltar para o Reino Unido.
O que agora espera Mae Sai? O distrito, e a caverna Tham Luang, ganharam destaque no mapa global – provavelmente para sempre.
O governo local já planeja transformar o complexo de cavernas em um museu e destino turístico – e, como era de se esperar, ao menos duas produtoras cogitam lançar um filme sobre a missão.
Quanto aos Javalis Selvagens e ao técnico Ake, o plano inclui raspar a cabeça e passar alguns dias em um monastério.
Suas famílias acreditam que essa tradição tailandesa abençoará suas vidas – e os purificará após uma experiência infeliz.
"É para a proteção deles", diz o avô de um dos jovens. "É como se eles tivessem morrido (após entrar na caverna) – e agora tenham renascido."
Para os meninos e o técnico, a prioridade após deixar o hospital deverá ser ficar com as famílias.
Afinal, o jovem Sompiangjai ainda precisa celebrar seu aniversário de 17 anos – e seus pais prometeram organizar uma festa.
Com a colaboração de esforços de reportagem da BBC News, da equipe da BBC Thai em Chiang Rai e da BBC Bristol. As ilustrações são de Davies Surya. Com agradecimentos aos moradores de Chiang Rai e de outras partes da Tailândia que tornaram esta reportagem possível.
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