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Trechos de Sobrevivendo no Inferno que explicam por que Racionais MCs vai cair na Unicamp - publicado 24 de Maio de 2018, 1:30 p.m. Alexandre Aragão - Repórter do BuzzFeed News, Brasil




Pedra angular do rap brasileiro, a obra trata de temas como fé, racismo, família, desigualdade social e a resistência de jovens da periferia em entrar para o crime.

Deus fez o mar, as árvore, as criança, o amor.



O homem me deu a favela, o crack, a trairagem, as arma, as bebida, as puta.
Eu? Eu tenho uma Bíblia velha, uma pistola automática e um sentimento de revolta.
Eu tô tentando sobreviver no inferno.




Klaus Mitteldorf / Divulgação

Pedra angular do rap brasileiro, o álbum "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MCs, foi anunciado na quarta (23) como obra obrigatória para o vestibular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).





Reprodução

Classificada pela universidade como poesia, a obra foi lançada pelo quarteto paulistano de maneira independente há duas décadas, em 1997, e vendeu mais de 1 milhão de cópias — número impressionante levando em conta que isso ocorreu numa época ainda pré-internet.

As rimas de Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue, cantadas em cima das batidas de KL Jay, tratam de temas como fé, racismo, família, desigualdade social, sociedade de consumo e a sedução que a possibilidade de entrar para o crime exerce em jovens da periferia.

Abaixo, destacamos alguns trechos do disco que mostram por que Racionais MCs vai cair no vestibular da Unicamp.

Foda é assistir à propaganda e ver: não dá pra ter aquilo pra você. 
Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal, por menos de 1 real, minha chance era pouca. Mas se eu fosse aquele moleque de touca que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca, de quebrada, sem roupa, você e sua mina. Um, dois, nem me viu: já sumi na neblina.
Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor, pelo rádio, jornal, revista e outdoor. Te oferece dinheiro, conversa com calma, contamina seu caráter, rouba sua alma. Depois te joga na merda sozinho. Transforma um preto tipo A num neguinho.







Os trechos acima, retirados de "Capítulo 4, Versículo 3", falam sobre como jovens negros de periferia convivem entre duas realidades: de um lado a desigualdade social e a pobreza e, de outro, uma ascensão possível oferecida pelo crime.
A música também trata sobre o avanço do crack na periferia, nos anos 1990 — cujos efeitos em São Paulo são perceptíveis até hoje —, e sobre o racismo cotidiano.
Uma bala vale por uma vida do meu povo. No pente tem quinze, sempre há menos no morro, e então? Quantos manos iguais a mim se foram? Preto, preto, pobre, cuidado, socorro!










Em "Rapaz Comum", quinta faixa do disco, Edi Rock conta em primeira pessoa a história de um jovem que levou um tiro. "Parece que alguém está me carregando perto do chão, parece um sonho, parece uma ilusão", diz o início da letra.
Assim como outras músicas dos Racionais, "Rapaz Comum" usa uma narrativa linear que busca expôr questões maiores — nesse caso, a violência na periferia paulistana e o assassinato de jovens negros, principais vítimas de armas de fogo no Brasil de acordo com as estatísticas oficiais.
Ratatatá, mais um metrô vai passar, com gente de bem, apressada, católica. Lendo jornal, satisfeita, hipócrita. Com raiva por dentro, a caminho do centro. Olhando pra cá, curiosos, é lógico. Não, não é não, não é o zoológico. Minha vida não tem tanto valor quanto seu celular, seu computador
Baseada em escritos do ex-detento Josemir Prado, a música "Diário de um Detento" fez com que os Racionais MCs chegassem ao mainstream. A faixa conta os dias que antecederam o Massacre do Carandiru, quando a Polícia Militar invadiu o "Casarão" — como os presos se referiam ao local — e matou 111 detentos, em 1992. O clipe da música foi escolhido Clipe do Ano de 1998 em uma votação popular promovida pela MTV.
Quem é preto como eu, já tá ligado qual é: nota fiscal, RG, polícia no pé.
"Escuta aqui, o primo do cunhado do meu genro é mestiço, racismo não existe, comigo não tem disso. É pra sua segurança."
Falou, falou… Deixa pra lá. Vou escolher em qual mentira vou acreditar.
Novamente em primeira pessoa, Edi Rock fala em "Qual Mentira Vou Acreditar?" sobre o racismo ao narrar uma saída na noite paulistana. O trecho acima trata de uma abordagem da polícia, que segundo a letra "cresce o olho" ao ver um homem negro ouvindo funk. "Eu me formei suspeito profissional, bacharel pós-graduado em tomar geral."
Dois de Novembro, era finados. Eu parei em frente ao São Luis, do outro lado. E durante uma meia hora olhei um por um, e o que todas as senhorastinham em comum: a roupa humilde, a pele escura, o rosto abatido pelavida dura. Colocando flores sobre a sepultura. Podia ser a minha mãe, que loucura.
Até hoje "Fórmula Mágica da Paz" ocupa lugar de destaque nos shows dos Racionais MCs. A música — que tem 10 minutos de duração e costuma ser cantada do início ao fim pelo público — aborda temas como moradia, família, fé e violência, por meio de histórias que se passam na "quebrada".
No caso de Mano Brown, a quebrada é o Capão Redondo, na zona sul paulistana. É ali que fica o cemitério São Luiz, citado no trecho acima. Trata-se do local em que é enterrada boa parte dos jovens negros vítimas da violência em São Paulo. Por meio da poesia, a obra retrata a realidade, como mostra esta reportagem publicada pelo BuzzFeed News em 2016.
Alexandre Aragão é Repórter do BuzzFeed e trabalha em São Paulo. Entre em contato com ele pelo email alexandre.aragao@buzzfeed.com
Contact Alexandre Aragão at alexandre.aragao@buzzfeed.com.

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