Pérola negra da MPB, Luiz Melodia morre aos 66; leia entrevista inédita - POR: FOLHA DE SÃO PAULO - MARCO AURÉLIO CANÔNICO DO RIO 04/08/2017
Uma das vozes mais singulares da MPB, o cantor e compositor carioca Luiz Melodia não resistiu às sessões de quimioterapia que fazia para combater um câncer na medula óssea e morreu na madrugada desta sexta (4), aos 66 anos, no hospital Quinta d'Or, no Rio. "É uma doença muito traiçoeira", afirmou a mulher do cantor, Jane Reis.
O autor de sucessos como "Pérola Negra" e "Estácio Holly Estácio" lutava havia meses contra um mieloma múltiplo e chegou a fazer um transplante de medula.
Cria do morro de São Carlos, no Estácio, Luiz Carlos dos Santos conviveu com a música desde seu nascimento, graças a seu pai, Oswaldo, que era violonista e compositor e já tinha o apelido que o filho herdaria, Melodia.
"Nesse contato, não só ele, mas com toda a vizinhança do morro, do largo do Estácio, eu fui absorvendo. O rádio também foi muito importante, família humilde, foi o primeiro meio de comunicação que entrou na minha casa", disse o cantor à Folha, em entrevista em 2013.
Ciente do preconceito que vitimava os sambistas à época, Oswaldo não estimulou a veia artística do filho –preferia que ele lhe imitasse a carreira de funcionário público.
Melodia, no entanto, começou a compor e a cantar ainda na adolescência, apresentando-se com sucesso em festas no morro e em concursos de calouros nas rádios.
Fez parte de duas bandas de garotos –Filhos do Sol e Os Instantâneos– que tocavam em bailes, mas, àquela altura, já alternava trabalhos como tipógrafo, vendedor e caixeiro.
"Eu tinha um sonho, como todo menino que tocava violão, mas não era uma coisa 'vou viver de música, vou gravar amanhã'. Eu não tinha a fissura de ser artista. Primeiro, ia estudar, tinha parado os estudos, estava no ginásio."
Sua sorte virou no início dos anos 1970, quando conheceu Rose, uma garota cuja família morava no Estácio e se mudou para o São Carlos.
Amiga do poeta e agitador cultural Waly Salomão (1943-2003), ela o levou ao morro e o apresentou a Melodia, que já tinha inúmeras composições prontas –entre elas, algumas que virariam clássicos, como "Pérola Negra" e "Farrapo Humano".
"O Waly ficou encantado com meu trabalho. Outras pessoas da zona sul vieram saber, vira e volta descia o morro para tocar em reuniões na casa da Suzana de Moraes [filha de Vinicius] ou do [Jards] Macalé."
Salomão apresentou o cantor à sua trupe tropicalista, incluindo o poeta e jornalista Torquato Neto (1944-1972), que usou sua coluna no jornal "Última Hora" para divulgar o "negro magrinho com composições interessantes, do morro do São Carlos".
Também sugeriu a Gal Costa que gravasse "Pérola Negra", o que a cantora fez com grande sucesso, jogando luz sobre o compositor, que passou a ser empresariado pelo poderoso Guilherme Araújo (1937-2007).
Foi com essas "costas quentes", como dizia, que Melodia lançou seu primeiro disco, em 1973, aos 22 anos. Com dez canções em 28 minutos, misturando choro samba, rock, blues, soul, e até foxtrote e forró, "Pérola Negra" tornou-se um clássico instantâneo.
A crítica da Folha à época definiu o cantor como "um dos fenômenos mais inquietantes da música popular brasileira, um estreante que foge a qualquer rotulação de consumo", e disse que ele era um "boêmio lírico, como Noel Rosa".
Pressionado pela gravadora (Phillips) a lançar logo um segundo LP, Melodia começou a se indispor –também porque os ex ecutivos lhe sugeriram um álbum só com sambas, para poder vendê-lo com o rótulo de "sambista".
"O lance fonográfico era barra. Se pudessem, eles te usavam de maneira que você não mostrava sua arte. Queriam só números, e eu não estava viajando naquela onda." Mesmo iniciante, Melodia marcou posição –e pagou por isso. "Começou uma coisa maluca de os caras não entenderem o que eu queria e começarem a me ver como difícil. Fiquei anos sem gravar."
Seu segundo disco, "Maravilhas Contemporâneas" (1976), saiu pela Som Livre e ajudou a consolidar seu nome, com sucessos como "Juventude Transviada" –que entrou na trilha sonora da novela "Pecado Capital", da Globo– e "Congênito".
Ao longo dos anos 1980 e 1990, passaria a compor menos e lançaria uma série de discos de pouca repercussão –seu grande sucesso no período foi a regravação "Codinome Beija-Flor", de Cazuza, para a trilha da novela "O Dono do Mundo" (1991).
REDESCOBERTA
Na virada do século, um bem-sucedido projeto acústico ao lado do violonista Renato Piau, seu amigo e parceiro de longa data, fez com que suas canções fossem revalorizadas e seu nome, descoberto por uma nova geração.
Seguiria fazendo shows e gravando discos regularmente –lançou seu último álbum de estúdio ("Zerima") em 2014. Até o fim, manteria a característica elegância no palco e a voz poderosa, levemente rouca e anasalada, com que interpretava sucessos seus e alheios.
Melodia deixa a mulher, Jane, com quem foi casado por quatro décadas e teve seu segundo filho, Mahal. Também deixa Iran, do primeiro casamento.
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