Pular para o conteúdo principal

Grêmio e Aranha, uma história de racismo perverso e continuado - BREILLER PIRES - POR: EL PAÍS

Visto por dirigentes como “pessoa perigosa”, goleiro revive o trauma dos ataques racistas

Novamente, o futebol reproduz a lógica de que toda vítima de injúria racial é culpada até que se prove o contrário. Aranha, agora como atleta da Ponte Preta, voltou à Arena do Grêmio neste domingo. Dirigentes gremistas chegaram ao ponto de destacar uma câmera no estádio para acompanhar cada movimento do goleiro no decorrer da partida. Nestor Hein, diretor jurídico do clube, justificou a postura dizendo que Aranha se trata de “uma pessoa perigosa e difícil”. Ainda relembrou uma fala discriminatória do goleiro, em abril, para chamá-lo de homofóbico. Retórica torpe e ignorante, como se o fato de uma pessoa já ter cometido ato preconceituoso redimisse seus agressores de comportamento igualmente reprovável.
Durante o duelo em Porto Alegre, Aranha foi vaiado outra vez, de forma acintosa. Depois da partida, disse que conseguia ver o ódio no rosto dos torcedores que o alvejavam. Generalizou ao declarar que “no Sul, as pessoas são assim”. Em seguida, o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, fez um pronunciamento para reforçar a ideia de que o clube é o verdadeiro prejudicado em toda história. “Nosso torcedor não esquece a injustiça que sofremos. A reação [vaias a Aranha] faz parte da cultura do futebol.” Para terminar, o presidente criticou o goleiro por não ter aceitado o convite do clube para um pedido formal de desculpas.
Na época, quatro torcedores do Grêmio foram indiciados pela polícia por causa dos ataques racistas a Aranha. Como punição, ficaram impedidos de frequentar jogos do clube. Antes do julgamento na esfera esportiva, dirigentes gremistas se mobilizaram para sustentar a tese de que o goleiro havia sido o responsável pelos xingamentos que sofreu. O então vice-presidente do clube, Adalberto Preis, acusou Aranha de ter protagonizado “uma grande encenação”. Já para Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, ex-presidente gremista, o goleiro fez “uma cena teatral depois de ouvir um gritinho”. Nos tribunais, a defesa do Grêmio argumentou que Aranha provocara a torcida do time ao fazer cera no gramado.
Ao longo de todo o processo, a queixa de Aranha foi desqualificada pelo Grêmio. Ele foi chamado de “macaco”, “encenador”, “mentiroso” e, agora, virou “pessoa perigosa”. Quem sofre tantas agressões, tem todo o direito de não aceitar um pedido – hipócrita, por sinal – de desculpas. Não, Romildo. As vaias a Aranha não fazem parte da cultura do futebol. Uma vítima de racismo jamais, em nenhuma circunstância, deveria ser hostilizada e vista como persona non grata no mesmo lugar onde gritos de “macaco” golpearam sua dignidade.
Um dia, os traumas irão, enfim, cicatrizar. Aranha, goleiro de primeiro nível, atleta consagrado em um esporte onde a imensa maioria fica pelo caminho, provavelmente terá orgulho ao olhar nos olhos dos netos e contar sua trajetória. O Grêmio, por completa falta de tato e sensibilidade de seus dirigentes, corre o risco de ficar para sempre marcado não apenas como o clube que achou normal chamar um negro de “macaco”, mas também como uma instituição covarde que não soube reconhecer o erro, encarar o racismo com a seriedade que merece ser tratado e dar a volta por cima.O Grêmio nunca foi vítima. Ao autorizar vigilância sob Aranha, tratando-o como criminoso que deve ter os passos monitorados, e qualifica-lo publicamente como “perigoso”, em que pese tudo o que passou, a diretoria do Grêmio cambaleia no limite entre a desonestidade intelectual e o mau-caratismo. A parte da torcida gremista que soube assimilar a lição deveria servir de exemplo para um clube que já acolheu importantes movimentos em favor da diversidade, tal qual a Coligay. Em meio a tanto rancor injustificado, dois torcedores apareceram com um cartaz de desagravo em solidariedade a Aranha, que agradeceu pelo apoio. A história tricolor, que atualmente conta com o suporte de movimentos que levantam a bandeira de diversas causas sociais, como a Tribuna 77 e a Grêmio Antifascista, não merece atitudes tão baixas quanto as de sua atual diretoria.

Comentários

  1. Injusticável essa atitude dos dirigentes gremitas, que só faz re forçar o episódio anterior onde o atleta Aranha sofreu ofensas de cunho racista em pleno estadio do clube.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Carta das Centrais Sindicais ao Presidente Bolsonaro

“EXMO. SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO MD. PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL BRASÍLIA – DF Senhor Presidente, As Centrais Sindicais que firmam a presente vem, respeitosamente, apresentar-se à Vossa Excelência com a disposição de construir um diálogo em benefício dos trabalhadores e do povo brasileiro. Neste diálogo representamos os trabalhadores, penalizados pelo desemprego que atinge cerca de 12,4 milhões de pessoas, 11,7% da população economicamente ativa (IBGE/PNAD, novembro de 2018) e pelo aumento da informalidade e consequente precarização do trabalho. Temos assistido ao desmonte de direitos historicamente conquistados, sendo as maiores expressões desse desmonte a reforma trabalhista de 2017, os intentos de reduzir direitos à aposentadoria decente e outros benefícios previdenciários, o congelamento da política de valorização do salário mínimo e os ataques à organização sindical, as maiores expressões deste desmonte. Preocupa-nos sobremaneira o destino da pol

19 Exemplos de publicidade social que nos fazem pensar em problemas urgentes - POR: INCRÍVEL.CLUB

Criadores de propagandas de cunho social têm um grande desafio: as pessoas precisam não apenas notar a mensagem, mas também lembrar dela. Você deve admitir que, mesmo passados vários anos, não consegue tirar da cabeça algumas peças publicitárias desse tipo, que fizeram com que passasse a enxergar determinadas situações sob uma outra ótica. Se antes as propagandas sociais abordavam tmas como a poluição do meio ambiente com plástico e o aquecimento global, hoje existem campanhas sobre os perigos do sedentarismo, os riscos que o tabagismo representa aos animais em decorrência do aumento de incêndios florestais e até sobre a importância das férias para a saúde humana. São, portanto, peças que abordam problemas atuais e familiares para muita gente. Neste post, o  Incrível.club  mostra a você o que de melhor foi criado recentemente no campo das propagandas de cunho social. Fumar não é prejudicial apenas à sua saúde, mas também aos animais que vivem em áreas que sofrem com incênd

Empresas impõem regras para jornalistas

REDE SOCIAIS Por Natalia Mazotte em 24/5/2011 Reproduzido do Jornalismo nas Américas http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/ , 19/5/2011, título original: "Site de notícias brasileiro adota regras para o uso das redes sociais por jornalistas"; intertítulo do OI Seguindo a tendência de veículos internacionais , o site de notícias UOL divulgou aos seus jornalistas normas para o uso de redes sociais , de acordo com o blog Liberdade Digital. As recomendações se assemelham às já adotadas por empresas de notícias como Bloomberg , Washington Post e Reuters : os jornalistas devem evitar manifestações partidárias e políticas, antecipar reportagens ainda não publicadas ou divulgar bastidores da redação e emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a imagem do site. Segundo um repórter do UOL, os jornalistas estão tuitando menos desde que as diretrizes foram divulgadas . "As pessoas estão tuitando bem menos. Alguns cogitam deletar seus p