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OBSERVANDO NA PAUTA - “Meu pai era muito mais cruel que o Pablo Escobar da Netflix” - CARLOS E. CUÉ - 28 SET 2016 - EL PAÍS

O filho do traficante assegura que a série tem erros e idealiza uma realidade muito mais sórdida

Pablo Escobar filho. LUIS SEVILLANO
Milhões de pessoas em todo o mundo acompanham a segunda temporada da série Narcos que narra com aparente realismo os últimos meses de vida de Pablo Escobar. Mas entre elas há um telespectador que viveu tudo de perto: Juan Pablo Escobar, que agora se autodenomina Sebastián Marroquín. É o filho mais velho do traficante, cujo personagem tem uma presença marcante. E está indignado com o que vê. “Está cheia de erros. Para começar: eu não era criança. Na série pareço Benjamin Button, cada vez sou mais novo, pareço ter oito anos. Eu tinha 16 anos quando meu pai morreu. E sabia de tudo. Ele sempre me contou que era um bandido, um traficante. Assistíamos televisão e sua voz não se alterava ao me dizer: eu coloquei essa bomba. E discutíamos”, explica de Buenos Aires, onde mora desde a morte de seu pai.
A família Escobar fez um acordo com o cartel de Cali para que lhes deixassem viver em troca de entregar-lhes todos seus bens. E depois de algumas peripécias a esposa, o filho e a filha do traficante acabaram na capital argentina, onde levam uma vida discreta. Até que a série devolveu suas vidas ao primeiro plano.
Ao contrário do que se possa pensar, o filho de Pablo Escobar não está incomodado com a imagem duríssimapassada para a tela. Ao contrário: acredita que é idealizada. “Meu pai era muito mais cruel do que parece na série. Submeteu um país ao terror. É preciso tratar essa história com responsabilidade. Há milhares de vítimas e um país por trás que merecem respeito. Estão inculcando uma cultura na qual parece que ser narcotraficante é cool. Estou recebendo mensagens de jovens de todo o mundo que me dizem que querem ser traficantes e me pedem ajuda. Me escrevem como se eu vendesse ingressos para entrar nesse mundo”, irrita-se.
Marroquín escreveu um livro sobre seu pai no qual narra a brutalidade de seus assassinatos e sua forma desapiedada de ser. Agora prepara outro no qual incluirá detalhes dos últimos meses de vida de Escobar, os únicos nos quais já não estava com sua família. O que mais o incomoda é que a série ofereça uma imagem aparentemente realista de algo que para ele não é. “Não aparecem os momentos de solidão, medo, queda, terror. A violência era muito mais atroz do que a que a série mostra. Não tenho nenhum orgulho disso, mas precisamos ser sérios. Eu me ofereci para colaborar com a Netflix e recusaram.” E dá exemplos concretos. “Na fuga, não vivíamos no luxo. Quem dera o final tivesse sido nessas mansões com piscina que aparecem na série. Também não estávamos rodeados de bandidos. Estávamos muito sozinhos, todos o traíram, se entregaram e foram mortos. Às vezes comprava uma casa e na mesma noite tínhamos de abandoná-la e o dinheiro se perdia. Sempre nos transportava de olhos vendados. Dizia que, assim, se fôssemos capturados e torturados, não poderíamos entregá-lo. Não usava telefone. Meu pai dizia que era a morte, que ele sempre conseguia localizar pelo telefone as pessoas que queria matar. Minha avó também não era essa mulher terna que aparece lá. Ainda bem. Ela o traiu com o cartel de Cali. Teve de escolher entre sua vida e a de seu filho e escolheu salvar-se”, conta Marroquín com uma naturalidade que impressiona.
"Estão inculcando uma cultura na que parece que ser traficante é cool".
Agora é um homem de 39 anos, com uma semelhança física distante do garoto da série, que trabalha como arquiteto e tenta se reinventar, mas também tem uma empresa que faz camisetas sobre Pablo Escobar, e por isso vive em uma contradição permanente.
Marroquín fez uma lista com 28 erros graves do roteiro de Narcos, nos quais se inclui o time de futebol do coração de Escobar: não era o Nacional, mas o Independiente de Medellín. E nunca comprou nenhum time, garante. “Ele dizia que os negócios lícitos não o interessavam porque com eles não se ganhava dinheiro.” Desmente até um momento chave da série: “Meu pai nunca queimou dinheiro para nos aquecer. Em algum momento do documentário que fiz contei que passamos fome enquanto estávamos rodeados de milhões de dólares. E é verdade. Uma vez estávamos cercados pela polícia e ficamos sem alimentos durante uma semana. Aí disse que a única coisa para que servia o dinheiro era para jogar na lareira. Mas nunca chegamos a fazer isso.”
Pablo Escobar e seu filho Juan Pablo em frente a Casa Branca em Washington, em 1981. ARCHIVO
Depois da morte de Escobar, que segundo seu filho se suicidou ao ver-se cercado pela polícia, Marroquín e sua mãe tiveram de negociar com os cartéis para não serem mortos. Todos os Escobar estavam condenados. “Pedimos a eles que nos deixassem viver. Fui com minha mãe a essas reuniões. Nos exigiram que entregássemos todos os bens como parte do butim de guerra. Eles sabiam de tudo que meu pai tinha. A mensagem era simples: se esconderem uma única moeda matamos vocês. Assim salvamos nossas vidas. Voltamos a ser ninguém. Isso me fez um homem livre, se não teria enlouquecido com o dinheiro. O que me restou foi começar do zero”, afirma.
Os pesquisadores não acreditaram nessa história e a mãe de Marroquín passou dois anos em uma prisão argentina por suposta lavagem de dinheiro. Ele ficou 45 dias. Mas finalmente foram absolvidos e agora vivem tranquilos em Buenos Aires. Até que a série do Netflix devolveu sua história ao primeiro plano. Ou pelo menos uma versão desse passado que tem indignado o filho do traficante mais famoso da história. Ele insiste que não faz nenhuma questão de salvar a imagem de seu pai, mas de se ater ao que ele viu e viveu para tirar lições mais contundentes. “É impossível zelar pela imagem de meu pai. Eu sou o mais duro com ele. Mas não vamos mentir. Meu pai matou cerca de 3.000 pessoas. Na história real o que não falta é violência, explosões, terror. Não é necessário que roteiristas criativos se ponham a enfeitá-la com mentiras.”

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