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#observandoapauta - "O feminismo ainda é branco", afirma consulesa da França - uol estilo






Alessandra Levtchenko/Divulgação



















A consulesa da França em São Paulo, Alexandra Loras, se tornou um ícone do empoderamento feminino  e da representatividade da mulher negra no Brasil. Recentemente, ela foi uma das curadoras do "TEDXSãoPaulo Mulheres que Inspiram", que levou ao palco figuras femininas com histórias inspiradoras. Mesmo sem entender por que o país abriu espaço para uma estrangeira, negra e integrante da elite falar sobre esses assuntos, ela pegou a palavra com garra. E não pretende soltar.
Mesmo em um cargo diplomático, você ainda enfrenta preconceito racial?
Por ser consulesa, sou convidada a frequentar os melhores ambientes, onde sou muito bem tratada. Hoje, enxergo o que é ser privilegiada e entendo por que as pessoas não querem abrir mão disso. Mas nem sempre é assim: algumas pessoas ainda pensam que eu deveria me contentar em ser consulesa --e talvez deixar de erguer a minha voz contra o racismo. Nos lugares em que as pessoas não sabem quem sou, sofro o mesmo tipo de racismo praticado contra toda mulher negra no Brasil.
Pode dar alguns exemplos?
Já aconteceu de eu ir até o mercado, comprar produtos importados, e ser seguida pelo segurança durante as compras. Há também as pessoas que dizem: “Nossa, você é uma negra articulada!”. Como se ser articulada fosse um privilégio das brancas. Mesmo de forma velada, elas transmitem a mensagem de que tenho sorte e de que deveria me contentar por já ter chegado aonde cheguei.
Recentemente, a atriz Leslie Jones, da nova versão do filme "Caça Fantasmas", deu uma entrevista para Whoopi Goldberg. Ela disse que, quando era criança e viu a Whoopi na TV, se deu conta de que também poderia chegar lá. Por que a representatividade negra é importante?
A partir do momento em que a população negra começa a se ver e se reconhecer em todos os espaços, as diferenças sociais diminuem e ganhamos muito em autoestima. Meu objetivo é que os negros, que são 57% da população do Brasil, sejam representados em todos os setores da sociedade: na mídia, nos livros didáticos e, inclusive, nos conselhos administrativos das empresas.
Há quem diga que o Brasil não é tão racista quanto outros países. Por exemplo, os EUA, que tiveram a segregação racial...
Mesmo não tendo uma segregação racial oficial no Brasil, há ambientes aonde o negro não vai. E é aí que o racismo se mostra, atualmente. O negro foi condicionado a não se autorizar a fazer algumas coisas. Nos shoppings e espaços comerciais, não há uma placa “só para brancos” mas, mesmo assim, muitas pessoas negras, quando frequentam esses lugares, são seguidas pelos seguranças e algumas chegam até a ser abordadas. Entrar em uma loja com milhares de brinquedos e ver só três bonecos que são negros, por exemplo, é algo violento e racista. Mas estamos tão acostumados que nem questionamos o absurdo.
A falta de representatividade é uma das razões para a autoestima do afrodescendente ainda ser baixa?
Também influenciam na baixa autoestima do negro a falta de oportunidades, seja na educação ou no mercado de trabalho. Quando entrei na faculdade, na Sciences Po [Instituto de Estudos Políticos de Paris], o mais difícil era enfrentar a voz que falava na minha cabeça: “Não, você não pode frequentar a escola da elite. Esse não é o seu lugar. Não, você não poderá enganá-los, pois não tem o mesmo nível que eles, não pode compartilhar o mesmo espaço”.
O que ajuda a elevar a autoestima do afrodescendente?
Crianças podem ser incentivadas com leituras que inspiram, pois há negros importantes na história, como André Rebouças, Machado de Assis e Teodoro Sampaio. Também vale ensiná-las que os inventores da geladeira, do marca-passo e da antena parabólica eram todos negros! Precisamos aprender --e cultivar em nosso meio-- uma cultura de resistência, que não permita que nos curvemos a um preconceito racial que é diário e que nos faz sentir inferiores. Nesse sentido, devemos estabelecer um diálogo do qual os brancos participem, pois o racismo terá um fim apenas se houver um esforço de ambos os lados.
Como você enxerga a inserção das mulheres no mercado de trabalho?
No Brasil, há mais mulheres graduadas nas universidades do que homens, mas ainda precisamos ver esse dado transformar o mercado de trabalho. As mulheres são só 6% dos conselhos executivos. No cinema, temos só 3% de mulheres negras. Somos a primeira geração que pode ler, escrever, votar, trabalhar, casar ou não e optar por ter filhos ou não. Podemos ir atrás dos nossos sonhos, estudar e estamos começando a ter dignidade e poder econômico de maneira autônoma. Mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido, mesmo no Brasil, onde temos a segunda maior população de negros, logo depois da Nigéria.
Você acredita que é preciso separar o feminismo negro do feminismo branco?
É essencial promover uma cultura que reconheça as necessidades específicas de cada mulher, seja branca ou negra. No Brasil, o feminismo ainda é branco, quando a maioria das brasileiras é negra --e não conseguimos superar essa barreira. A problemática da mulher branca, por exemplo, é que ela pode trabalhar há pouco tempo; a mulher negra, por sua vez, sempre trabalhou fora de casa.
Essa separação, de alguma forma, enfraquece a luta das mulheres?
Essa separação só enfraquece a luta das mulheres se nossas pautas atropelarem umas às outras. Cada movimento possui uma agenda própria. O feminismo e a luta contra o racismo precisam articular pautas unificadas, a fim de dar respostas consistentes aos nossos questionamentos.
Muitas pessoas não se consideram racistas, mas têm comportamentos preconceituosos. O que significa não ser racista?
 é reconhecer que nós, negros, temos o direito de ocupar os mesmos espaços que, atualmente, são ocupados exclusivamente por pessoas brancas e que a cor de nossa pele não nos faz piores que os demais. É, também, aceitar que 57% da população brasileira, que é negra, represente cargos de liderança, papéis nas novelas e até desenhos animados. Não ser racista é ter empatia e compaixão com a causa negra.

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