#OBSERVANDOAPAUTA - Fallujah exibe tristes vestígios da vida sob o Estado Islâmico = FONTE: THE NEW YORK TIMES/ UOL NOTÍCIAS
- Bryan Denton/The New York TimesFuncionários de tanque do governo iraquiano descansam entre operações no distrito de Nazal, em Fallujah (Iraque)
Enquanto as forças iraquianas se deslocam por Fallujah, a cidade exibe os tristes vestígios de mais de dois anos de domínio do Estado Islâmico (EI). Corpos decapitados em decomposição. Bolos de pelos de combatentes que rasparam as barbas para se misturar aos civis em fuga. Uma prisão onde os detidos eram mantidos em jaulas adequadas para cachorros de porte médio.
As forças encontraram livros sobre o wahabismo, a versão radical do islamismo sunita da qual o EI tira inspiração, e sobre Saddam Hussein, cujo regime de medo e sigilo o grupo imita.
Mas enquanto a imagem do que foi a vida em Fallujah sob o EI se torna mais clara, uma visita no fim de semana a áreas da cidade tomadas pelas forças pró-governo deixa claro que ainda há fortes combates na cidade.
Dias após as forças iraquianas terem levantado a bandeira nacional sobre o principal complexo do governo e declarado vitória, a batalha se deslocou para os bairros a oeste, onde permanecem alguns combatentes do EI, muitos deles estrangeiros, segundo autoridades.
Cerca de um terço da cidade foi libertada dos insurgentes, disse o coronel Christopher C. Garver, porta-voz militar dos EUA em Bagdá. Mas as autoridades americanas acreditam que a cidade acabará caindo plenamente nas mãos do governo.
A batalha não se desenrolou como muitos temiam que ocorresse: uma luta viciosa, de casa em casa, como a que os fuzileiros navais americanos enfrentaram em 2004.
"O EI não lutou seriamente desta vez porque os grandes líderes deixaram os combatentes por sua própria conta", disse o coronel Mohammed al-Jumaili, comandante de uma milícia sunita aliada ao governo na província de Anbar.
Ele disse que muitos combatentes locais do EI resistiram no início, mas começaram a fugir com suas famílias quando ficou claro que a aliança frouxa a favor do governo de soldados, policiais, milicianos xiitas e combatentes sunitas estava vencendo.
Ele continuou: "Em 2004, muita gente em Fallujah resistiu às tropas americanas porque viam os EUA como invasores e era uma obrigação islâmica combatê-los. Desta vez as pessoas perceberam que há uma diferença, que não há sentido em lutar contra seu próprio povo".
Comandantes disseram que o EI reforçou suas defesas no perímetro da cidade e que quando as forças iraquianas avançaram puderam se mover com facilidade pelo centro urbano, pois muitos membros do EI fugiram.
"Esta é a área de Nazal, a mais difícil para os americanos na primeira guerra", disse o tenente-general Abdulwahab al-Saadi, comandante das forças de contraterrorismo iraquianas que assumiram a liderança na batalha. Ele estava cercado de entulho, com o ruído das explosões e tiros soando à distância.
Al-Saadi se deslocava pelas ruas levando um computador tablet que mostrava mapas do campo de batalha e um rádio em que ele pedia coordenadas para a artilharia e ataques aéreos.
Em certo ponto, ele parou para falar com os soldados --alguns escondidos em casas, outros em telhados com franco-atiradores-- e para tirar fotos. De repente, um de seus homens recebeu um tiro na perna, disparado de um local desconhecido. Todos se abrigaram e o soldado, que não se feriu gravemente, foi levado em um jipe com o sangue escorrendo da panturrilha.
Há tamanha destruição que algumas partes da cidade parecem ter saído de um filme de ficção científica. A poeira levantada aumenta a sensação de apocalipse. Mas outras áreas estão relativamente intactas.
Na verdade, o nível de destruição é muito menor que em Ramadi, a capital da província de Anbar, que foi libertada no início do ano. Lá, o EI destruiu muitos edifícios ao partir. Bombardeios do Iraque e ataques aéreos da coalizão liderada pelos EUA arrasaram mais prédios em Ramadi, onde havia menos civis e portanto menor cuidado ao atacar.
A batalha por Fallujah mais uma vez salientou o lugar do Iraque como uma arena para competição pela influência entre os EUA e o Irã.
Em uma área da cidade estão os homens de al-Saadi, que trabalharam estreitamente com os EUA durante mais de uma década e têm fama de fortes combatentes. Em outra área estão unidades da polícia federal, que se mostraram instrumentais no avanço para o centro da cidade.
Mas também há combatentes xiitas da organização Badr, uma milícia apoiada pelo Irã. Os membros da Badr prometeram não entrar na cidade, mas o fizeram usando uniformes da polícia federal, segundo testemunhas e um grupo de legisladores sunitas que criticaram em público o engodo.
A cada ocorrência da luta em Fallujah, e na discussão sobre como o EI poderá ser arrancado da cidade de Mosul e seus enclaves restantes no Iraque, a pergunta mais ampla sobre a capacidade de o Iraque se reconciliar como Estado multissectário paira sobre tudo.
Mesmo que o EI seja eventualmente expulso de todo o seu território no Iraque, é provável que persista uma guerrilha da insurgência sunita, como já houve da Al Qaeda no Iraque.
Mas a pergunta mais importante é se sua ideologia continuará atraindo os sunitas iraquianos, muitos dos quais viam o EI como uma proteção contra o governo liderado pelos xiitas em Bagdá.
Muitos moradores de Fallujah, que fugiram para o deserto aos milhares recentemente, aumentando a grave crise humanitária, disseram que a vida sob o regime do EI era boa para eles, até que começou o sítio do governo em dezembro.
"No início não tivemos problemas", disse Eman Mustafa, de quase 30 anos, que foi entrevistado em um acampamento para deslocados. "Eles nos trataram bem."
Muitos outros, porém, falaram sobre o terror de viver sob o EI, de ser alvo de tiros enquanto tentavam escapar nas últimas semanas e de ter pouco para comer enquanto os militantes levavam toda a comida por causa do sítio que se ampliava.
Nos campos, há uma falta notável de homens entre as famílias que se abrigam. Muitos foram detidos pelo governo sob suspeita de ligação com o EI.
Um homem que esteve preso e voltou a se reunir com sua família disse que foi bem tratado e ficou feliz em denunciar todos os membros do EI que conheceu --muitos deles seus vizinhos.
O homem, Abdullah Abdella, 47, acredita que não deveria haver perdão para qualquer um que se una ao grupo: "Acredite-me, se fosse meu filho eu o mataria".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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