Estou terminando a leitura da obra “Diálogo da
Perplexidade – Reflexões críticas sobre a mídia”, dos jornalistas Bernardo
Kucinski e Venício A. de Lima.
A leitura deste livro me motivou a escrever este texto, onde
pretendo resgatar alguns fatos que demonstram objetivamente que a atual crise
política que enfrentamos, na verdade é a repetição de fatos ocorridos em outros
momentos da nossa história, que se repetem de tempos em tempos, sem que
praticamente nenhuma ação preventiva seja desenvolvida para evitar este círculo
vicioso.
Não pretendo recontar detalhadamente os fatos históricos, mas sim
trazer à lembrança das pessoas alguns acontecimentos que contribuam
efetivamente para estabelecer um paralelo entre os fatos mais relevantes,
ocorridos em cada época, onde os presidentes mais comprometidos com mudanças
estruturantes visando beneficiar aos mais pobres, foram vitimados pela
articulação dos poderosos, que não pouparam esforços para garantir a manutenção
dos seus privilégios.
Década de 50 - O Suicídio de Getúlio Vargas
O primeiro registro de um presidente perseguido, indubitavelmente,
refere-se ao período getulista.
Vejamos a carta testamento escrita por Getúlio Vargas antes de sua
morte no dia 24 de agosto de 1954:
"Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha
morte. Levo o pesar de não haver podido fazer, por este bom e generoso povo
brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.
A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela
malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida,
sistemática e escandalosa. Acrescente-se a fraqueza de amigos que não me
defenderam nas posições que ocupavam, a felonia de hipócritas e traidores a
quem beneficiei com honras e mercês e a insensibilidade moral de sicários que
entreguei à justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião
pública do país, contra a minha pessoa. Se a simples renúncia ao posto a que
fui elevado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranquilo no
chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria ensejo para com
fúria, perseguirem-me e humilharem.
Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos
poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar
contas ao senhor, não de crimes que contrariei ora porque se opunham aos próprios
interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos
humildes.
Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue de
um inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus. Agradeço aos que de perto ou
de longe trouxeram-me o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais
tarde....”.
O texto da carta testamento de Vargas elenca várias razões que o
levaram a cometer o ato do suicídio:
“Levo o pesar de não haver podido fazer, por este bom e
generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem
que pretendia. A mentira, a
calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de
rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e
escandalosa. Acrescente-se a fraqueza de amigos que não me defenderam nas
posições que ocupavam, a felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei
com honras e mercês e a insensibilidade moral de sicários que entreguei à
justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do
país, contra a minha pessoa”.
Muito provavelmente este trecho da carta possa traduzir quais
foram as principais angústias que acometeram Vargas horas antes dele tirar a
própria vida.
Anos 60 – A Renúncia de Jânio Quadros
Em 25 de agosto de 1961, ocorreu outro ato excepcional, onde o
então presidente Jânio alegando sofrer pressão de “forças terríveis”, que o
levaram a renunciar.
“Fui vencido pela reação e, assim, deixo o Governo. Nestes sete
meses, cumpri meu dever. Tenho-o cumprido, dia e noite, trabalhando
infatigavelmente, sem prevenções nem rancores. Mas, baldaram-se os meus
esforços para conduzir esta Nação pelo caminho de sua verdadeira libertação
política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a
justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a
corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos
apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive, do exterior. Forças
terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa
da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade,
ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha autoridade.
Creio mesmo, que não manteria a própria paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes
e para os operários, para a grande família do País, esta página de minha vida e
da vida nacional. A mim, não falta a coragem da renúncia”.
Nota-se no texto da carta de Jânio a existência de fatores
semelhantes aos que levaram ao ato desesperado cometido por Getúlio.
“Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a
corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos
apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive, do exterior. Forças
terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa
da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a
tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha
autoridade. Creio mesmo, que não manteria a própria paz pública”.
Compare a motivação:
Getúlio Vargas:
“Levo o pesar de não haver podido fazer, por este bom e generoso
povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que
pretendia”.
Jânio Quadros:
“Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou
infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a
confiança e a tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da
minha autoridade”.
A renúncia de Jânio propiciou as condições para que o seu vice
assumisse.
As forças conservadoras tentaram impedir a sua posse, por fim,
instituíram o parlamentarismo, conduzindo Jango à presidência da república e
Tancredo Neves como primeiro-ministro.
A Deposição de João Goulart
Em 13 de março de 1964, o presidente João
Goulart realizou um grande comício na Central do Brasil.
Confira trechos do discurso:
“...Aqui
estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico
e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização
deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais
significativas organizações operárias e lideranças populares deste país”.
“...Democracia para esses
democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles
querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e
sufocado nas suas reivindicações”.
“A democracia que eles desejam
impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou
seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou
representam”.
“A democracia que eles querem é
a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios
privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os
governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.
“...Não, trabalhadores; sabemos
muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem
comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das
reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já
sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível
admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação
nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial
conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas”.
Jango foi cassado pelos
militares no mesmo mês em que realizou este comício, exilando-se no Uruguai,
falecendo misteriosamente na Argentina em 1976.
Os trechos destacados em
seguida, demonstram claramente os problemas detectados por Jango e que
certamente levaram à sua cassação:
“...Democracia para esses
democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles
querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e
sufocado nas suas reivindicações”.
“A democracia que eles desejam
impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou
seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou
representam”.
“A democracia que eles querem é
a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios
privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os
governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.
Após o ato de cassação de
Jango, os militares assumiram o poder. O Brasil foi submetido ao regime militar
nos anos de 1964 até 1984, resultando em perseguições, assassinatos,
desaparecimentos e a violência contra todas as formas de liberdade e aos
Direitos Humanos.
Iniciei este texto relatando a
inspiração desenvolvida pela leitura do livro “Diálogo
da Perplexidade – Reflexões críticas sobre a mídia”, dos jornalistas Bernardo
Kucinski e Venício A. de Lima.
O Governo Lula
Diante disto, tomarei a liberdade de
transcrever parte do texto do livro onde os dois escritores analisam a situação
enfrentada pelo presidente Lula em seu governo, que se encontra nas páginas
120,121 e 122:
“Na campanha da grande imprensa que
levou Vargas ao suicídio, o governo ainda contava com o apoio da poderosa
cadeia de jornais Última Hora. Hoje, não, há exceção entre os grandes
jornais...”.
“O metassentido construído por essa
narrativa é de que o governo Lula é o mais corrupto da história do Brasil, é
incompetente, trapalhão, só tem alto índice de aprovação porque o povo é
ignorante ou se deixa levar pelo bolso, não pela cabeça”.
“O que poucos sabem é que essa
subcultura se tornou dominante graças a uma mãozinha da Globo. A central de
Brasília, dizem jornalistas que trabalharam no sistema Globo, formou uma
espécie de “gabinete de crise” com líderes da oposição, pautando-os e por eles
se pautando”.
Os jornalistas Bernardo Kucinski e
Venâncio A. de Lima, continuam esta reflexão analisando a falta de preocupação
do governo Lula em desenvolver uma comunicação eficaz, fato agravado pelo
fechamento da agência Radiobrás, que vulnerabilizou e fragilizou
significativamente ao governo frente às investidas da oposição.
Durante o governo Lula, os grandes
veículos de imprensa explicitaram as suas preferências políticas assumindo um
comportamento panfletário e ideológico contra todas as ações governamentais,
dando origem ao termo “PIG” – Partido da Imprensa Golpista.
Mesmo diante da ofensiva da oposição e
dos setores retrógrados da sociedade, o presidente Lula terminou o seu segundo
mandato com mais de 80% de aprovação.
Este quadro, juntamente com os avanços
obtidos na área social, propiciaram a eleição de Dilma Rousseff, garantindo a
manutenção de todos os projetos sociais desenvolvidos na gestão petista.
Governo Dilma
A opção de Dilma foi por um governo de
coalizão.
Onde o PMDB assumiu um papel
estratégico, tendo Michel Temer como o representante do partido.
Ao apostar neste modelo, com o
estreitamento da relação política e das ações de governo menos populares,
criou-se uma lacuna, onde as entidades de classe, as ONGs, o MST e todos os
demais segmentos sociais ligados à sociedade civil organizada, distanciaram-se
do centro do poder, fragilizando ainda mais os alicerces que deveriam dar
sustentação ao (em tese) governo popular.
O governo continuou refém da grande mídia, sem adquirir a
capacidade de se posicionar contra os ataques midiáticos promovidos pelos grandes
veículos de comunicação.
Nem mesmo o advento das novas tecnologias propiciadas pela
expansão da internet conseguiu alterar, de maneira importante, o quadro da
deficiência do mandato de Dilma em relação a sua projeção junto á população.
Dilma, diferentemente de Lula,
apresentava uma grande deficiência em manter o diálogo com seus aliados,
dificultando a existência de um diálogo político mais eficiente e produtivo.
Os conservadores ocuparam as ruas,
articularam-se com o PSDB, a Maçonaria e setores conservadores da igreja,
apresentando o pedido de Impeachment, assim como acontecera no passado, com
Getúlio Vargas, e João Goulart, culminando com a aceitação da admissibilidade
na Câmara Federal e no Senado.
Resultando no afastamento da presidenta
Dilma Rousseff.
Assumindo a presidência interinamente o
vice-presidente, Michel Temer, articulador do golpe, juntamente com o
presidente do Congresso, Eduardo Cunha, que logo em seguida foi afastado pelo
Supremo Tribunal Eleitoral.
Deixei de resgatar o Impeachment de
Fernando Collor, pois neste caso, houve a comprovação de uso indevido de fundo
de campanha, desvio de recursos públicos etc, diferenciando-se dos motivos que
levaram à elite brasileira a desenvolverem todo um processo para a queda dos
demais presidentes.
Destacam-se as medidas impopulares
realizadas pelo seu governo, destacando-se, o sequestro da poupança.
Collor não era efetivamente um
presidente comprometido com a defesa dos interesses dos mais pobres.
Conclusão
Ao analisar todos os registros históricos, não podemos deixar de
questionar a nossa ingenuidade em acreditar que a mesma articulação
desenvolvida pelos poderosos, para derrubar aos presidentes anteriores, não
ocorreria com Lula e Dilma.
Fica evidenciado que o principal dos ataques desferidos pela
oposição, em todas as épocas, foram motivados pelo fato destes governos
assumirem publicamente o seu compromisso com os mais necessitados.
O processo de Impeachment foi o instrumento adotado pela classe
dominante para tentar derrubar todos os presidentes que sinalizavam com algum
tipo de ameaça aos seus interesses.
Não podemos alegar a imprevisibilidade ou a surpresa diante da
ação orquestrada pela direita, não podemos alegar possíveis erros de avaliação
ou que talvez faltasse informação diante de registros históricos tão
consistentes.
Ingenuamente, acreditamos na compreensão e na tolerância dos donos
do poder.
Confiamos na sua benevolência e na sua boa vontade.
Possivelmente, acreditamos que com o tempo, num governo de
coalizão, numa relação amistosa com a elite, com o passar do tempo,
conquistaríamos a sua confiança e não teríamos nenhuma dificuldade para a
implementação do nosso modelo político, econômico e social.
Não investimos na comunicação, tornamo-nos reféns da mídia
golpista.
Não desenvolvemos nenhum projeto de capacitação e de formação
política da nossa militância.
Desprezamos os registros históricos, os ensinamentos do passado.
permitindo que 12 anos de avanços sociais fossem solapados, de um dia para
o outro, pela ofensiva belicosa de uma elite conservadora, aliada a imprensa
golpista, sob a tutela de um judiciário indulgente.
A direita, oportunisticamente, mantendo a lógica estabelecida no passado,
aproveitou-se disto, inviabilizando a continuidade do nosso projeto, impedindo
Dilma Rousseff de concluir o segundo mandato, tentando inviabilizar a
candidatura de Lula em 2018.
Desta feita, lamentavelmente, com a primeira mulher eleita
presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, impedida de concluir o seu mandato, sem
ter cometido nenhum crime, em uma conspiração, orquestrada pelas mesmas
forças golpistas que provocaram a morte de Getúlio Vargas em 1954.
Veja abaixo os indicativos das reservas internacionais no dia 11
de maio, data do golpe concretizado no Senado Federal (aprovação da
admissibilidade do Impeachment):
1) As reservas internacionais
líquidas do Brasil são de US$ 376,3 bilhões (eram de apenas US$ 16 bilhões em
2002).
Elas
superam, com folga, toda a dívida externa do país, que é de US$ 333,6 bilhões.
Assim,
o Brasil é credor externo líquido em US$ 42,7 bilhões.
2) O
Brasil é credor do FMI:
3) A
dívida pública líquida é de 38,9% do PIB (era de 60,4% do PIB em 2002).
4) Os
investimentos externos produtivos (IED) no Brasil foram de US$ 78,9 bilhões nos
últimos 12 meses (Abril 2015 a Março 2016), sendo equivalentes a 4,56% do PIB;
5) O
Brasil tem o 7o. maior PIB mundial (era o 13o. em 2002);
6) A
Renda per Capita é de US$ 10.000 (era de US$ 2.500 em 2002);
7) A
taxa de inflação está despencando e deverá fechar, segundo o Banco Central,
perto do teto da meta em 2016, ficando próxima de 6,5% no acumulado do ano.
Para 2017, já se prevê uma taxa de inflação perto do centro da meta (de 4,5%);
8) O
salário mínimo é de R$ 880,00, equivalente a cerca de US$ 250 (era de US$ 55 em
2002);
9) O
déficit externo, em transações correntes, está em 2,39% do PIB, no acumulado de
12 meses (terminado em Março de 2016), e continua caindo rapidamente;
10) O
Superávit comercial foi de US$ 19,7 bilhões em 2015, já acumulou US$ 14,5
bilhões em 2016, sendo que estimativas apontam que o mesmo poderá chegar a US$
50 bilhões neste ano.
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