A censura na ditadura militar no Brasil sufocou a criatividade de muitos compositores brasileiros, mas ninguém chegou a ter a carreira tão prejudicada pela repressão quanto um cantor cujo nome, em tupi-guarani, significa "livre".
Nascido no Uruguai, Taiguara frequentou as paradas de sucesso das rádios e os festivais de música nos anos 60 e 70 com o lirismo e as melodias bem construídas de canções como "Hoje", "Universo no Teu Corpo" e "Que as Crianças Cantem Livres". Dezoito anos após sua morte, sua saga política e ativista é iluminada com o lançamento de um CD e um livro.
Enquanto o disco "Ele Vive" resgata 11 canções inéditas (com mais quatro versões bônus), encontradas em fitas cassete pela família, o livro "Os Outubros de Taiguara", da jornalista Janes Rocha, mostra que o músico não era apenas um dos compositores mais produtivos da sua geração, mas também um dos artistas mais censurados pela ditadura no Brasil.
A perseguição teve início no período em que Taiguara começava a resgatar suas raízes latinas. As referências em suas letras vinham com uma carga forte de sensualidade e abstrações sobre a liberdade. "Ele, o Chico Buarque e oGonzaguinha são os artistas que mais foram censurados. Mas oficialmente, em documentos, Taiguara foi amplamente vetado em seu período mais produtivo", explica a autora do livro.
"Isso sem contar os discos que foram proibidos na íntegra ["Imyra, Tayra, Ipy, Taiguara", de 1976, relançado pelo selo Kuarup no ano passado, e "Let the Children Hear the Music", gravado em Londres, em 1974]. Ele se expôs muito, mais do que os outros. Quanto mais ele era censurado, mais critico ele ficava."
Em "Tinta Fresca", por exemplo, Taiguara foi incisivo: "não me queixo do meu fado / não se eu quiser me deixar sair / me abre essa porta / e me deixa sair / ou dizer o que eu quiser". A provocação só instigou a má vontade do departamento de censura. "Os incomodados que se mudem, pois as portas do nosso Brasil sempre estiveram abertas para sair aos indesejáveis", reagiu o censor, em comentário escrito de próprio punho na folha que trazia a letra da canção.
Sem Coca-Cola e calça jeans
Os problemas com a censura levaram Taiguara a se autoexilar por duas vezes. Em meados de 1973, ele partiu para um curto período na Inglaterra. Em seguida, foi à África, onde morou por vários anos. Voltou ao Brasil ainda mais político. Participava de caminhadas a favor da redemocratização e estreitou os laços com o comunista Luís Carlos Prestes –o "cavaleiro da esperança", como Taiguara cantava, e uma ameaça, na visão dos militares.
A rotina passou por mudanças radicais. Taiguara não tomava Coca-Cola e se negava a usar calça jeans por considerar símbolos da cultura americano. A sintonia com o público, que já não estava afinado com ele desde 1974, quando o compositor passava mais tempo tentando liberar sua obra do que fazendo shows, foi se extinguindo aos poucos.
"Ele virou muito discursivo, aborrecia também, e com isso foi perdendo o espaço na mídia, principalmente após ficar dez anos longe do Brasil. Os antigos fãs queriam o Taiguara romântico, cantando modinha. Ele queria fazer canção de protesto. Era uma nova geração que não o conhecia. Importante dizer que ele desanimou", conta Janes.
Nos últimos anos, antes de morrer em 1996, em decorrência de um câncer na bexiga, o compositor registrou canções inéditas, sempre com o gravador ao pé do piano. "Existem mais de 40 músicas nas fitas cassete que encontramos, todas inéditas. Algumas letras foram censuradas, mas ele deixava tudo guardado", explicou o músico Pedro Baldanza, responsável pela direção musical do CD "Ele Vive".
Embora não traga datas, as fitas abrangem um período de 30 anos. Mal conservadas, passaram por intenso processo de recuperação da voz e do piano. Respeitando a sonoridade que Taiguara buscava em seus últimos discos, entre o latino e o soul, Baldanza gravou a base para acompanhar as canções.
Entre elas há o tango "Conflito", que foi vetado em 1974 e, posteriormente, seria chamado por Taiguara de "Sexo Escravo". "O que é talvez pior que a burguesia / é a sombra das pequenas tiranias / Que existe cá entre nós, cá entre nós". Os censores, na época, observaram: "Não aprovo. A letra em questão permite conotação política". "Aproximamos a canção de algo acústico e mantivemos o clima. Tem horas que ele busca as palavras, como se estivesse recordando da canção. Está tudo lá", revela Baldanza.
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