OBSERVATÓRIO - Emiliano José analisa o quarto (1°.) poder - analise de Emiliano José - FONTE: CONVERSA AFIADA
"O jornalismo, nos termos praticados no Brasil de hoje, caminha para o suicídio"
Emiliano José*
Não quero seja uma resenha, este texto. Que se o encare apenas e tão somente como um breve comentário sobre um belo e denso livro, com a inconfundível marca de Paulo Henrique Amorim, um dos melhores jornalistas brasileiros. Quando o classifico assim, faço-o na certeza de celebrar um homem de coragem, com posições claras, situadas à esquerda, latu senso. Gosto muito da ideia de que principal virtude da política é a coragem – originalmente de Hannah Arendt. Diria: a coragem é uma virtude essencial em qualquer área da existência humana. PHA é um homem corajoso, destemido.
Está no mundo, nas tormentas do mundo. Sabe que viver é arriscoso, à Guimarães Rosa, e não teme o risco do confronto, do debate. E o jornalismo pode fazer bem a quem queira exercer plenamente a cidadania. Ou mal. Depende da formação de quem o exerce. E do caráter. A PHA o jornalismo fez bem. E a passagem do tempo o tornou melhor, evolução nem sempre registrada em alguns outros colegas.
Não é raivoso. Mordaz, talvez. Irônico, quase sempre. Jornalista disposto a botar o dedo na ferida, e por isso volta e meia processado por quem não aceita sua interpretação dos acontecimentos. Sempre atento ao contexto, alerta com as lições da história, cuidadoso com a palavra, responsável com ela, sem nunca deixar de fustigar os podres poderes. Creio não gostar do ponto e vírgula. Não o encontro nos seus textos. Na dúvida, ponto. Frases curtas, mais adaptadas aos tiros certeiros. Parágrafos de poucas linhas. Olha o cenário com óculos de 180 graus.
O livro – O quarto poder – uma outra história, Hedra, 2015 – lança um olhar sobre sua trajetória de mais de cinco décadas de jornalismo, uma trajetória e tanto, marcada pela presença no jornalismo impresso e na televisão, e nesta insiste até hoje, atuação hoje combinada com a atuação nas redes, com seu jornal (ou é blog?) Conversa Afiada, de muito sucesso, com direito à televisão Conversa Afiada também. Representa seu espaço de cidadania plena, onde pode desenvolver, sem meios termos, seu próprio estilo, sem quaisquer restrições, porque patrão de si mesmo.
O olhar no livro é dele próprio, primeira pessoa, buscando inspiração em suas próprias anotações, feitas ao longo de todas suas décadas de repórter e editor. São mais de 550 páginas de história do jornalismo, numa edição bem cuidada. Curioso acompanhar o texto amparado por fotos de anotações de décadas passadas, guardadas ciosamente, um jornalismo meio em desuso em tempos de gravações descuidadas, só para constar, porque a verdade importa pouco.
A caneta e o papel eram sempre nossos companheiros nas situações de cobertura. Esta está esmaecida em tempos de elaborações prévias, em que o repórter, quando sai à rua, o faz apenas para obedecer a pauta, não importando o confronto com a realidade. Só teste de hipóteses, nada a ver com a procura da verdade. Triste.
PHA percorre essas décadas tumultuosas de nossa história, desde Getúlio ao menos – “a primeira vítima do Partido da Imprensa Golpista”, o PIG, expressão de seu gosto, popularizada por ele, nascida com o ex-deputado Fernando Ferro. A Rede Globo enfrenta sua pena afiada, ácida, em muitos capítulos, episódios, circunstâncias, olhar agudo do repórter, câmera implacável a esquadrinhar a história sem concessões. Trabalhou na Rede Globo.
“A Segurança Nacional precisava de uma rede nacional de televisão. E a Globo, para sua própria segurança, precisava de uma infraestrutura nacional de distribuição de áudio, vídeo e, principalmente, mensagens publicitárias.”
“Nas palavras de Homero Icaza Sánchez, ex-diretor de pesquisa da TV Globo, ´se não tem uma rede nacional, não se pode cobrar por um minuto de comercial o que se cobra. Então, a questão é econômica`.”
O primeiro Jornal Nacional foi ao ar em 1º de setembro de 1969, ano marcado pela escalada repressiva mais violenta da ditadura militar, que só vai se abrandar ali pelo final dos anos 70, quando vem anistia. A rede estava implantada.
Brizola é personagem tratado com carinho, talvez por sua ousadia e determinação, inclusive diante da perseguição movida pela mídia, a quem nunca se rendeu. Também é carinhoso com Lula, malgrado sua crítica ao fato de os governos do PT não terem enfrentado a regulação da mídia. Não lhe escapa a manipulação do debate entre Collor e Lula, feita pela Rede Globo, e ele desce ao episódio com riqueza de detalhes. Qualifica Golbery como o feiticeiro do PIG, no pré-64, sobretudo a partir da intervenção do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) na cena brasileira. “Os comandantes do assalto à opinião pública [para a preparação do golpe] eram o general Golbery do Couto e Silva e seu lugar-tenente, o escritor José Rubem Fonseca”. Não poupa FHC, a quem qualifica de “filho pródigo para a Globo”. Mostra também o papel da Rede Globo na eleição e reeleição do filho pródigo.
Vou parando por aqui. Quem quiser conhecer PHA melhor, é só adquirir o livro, bom para ser lido de uma sentada, e tem qualidades para tanto, e útil para ser guardado como elemento de pesquisa. Pudesse sugerir, e aconselharia os novos jornalistas de modo especial a lerem o livro. É o testemunho de um jornalista intrépido, cuja força de vontade e disposição de luta o levou a percorrer os caminhos da reportagem e da edição, no jornal impresso e na televisão. O contado foi vivido. E por isso mata a cobra e mostra a cobra morta.
O livro, a palavra de PHA, produz um diagnóstico riquíssimo da mídia brasileira.
Mostra o rigor de um jornalista com os fatos sem que para tanto necessite de qualquer frieza diante deles. Jornalismo imparcial é mentira. Jornalismo preocupado com a verdade é obrigação.
O panorama do jornalismo brasileiro dos dias de hoje reclama reflexão pelo descuido com a apuração dos fatos – a verdade factual é muito prezada por PHA, como o é, sei, por Mino Carta, que aparece com força no livro, especialmente no episódio de seu rompimento com a revista Veja.
Me pergunto se adianta muito tal leitura, tal a cultura desenvolvida entre os jornalistas nesses últimos anos. Insisto: acostumaram-se a sair apenas para religiosamente cumprir a pauta com objetivos pré-estabelecidos, os repórteres. E os editores, manchetar de acordo com os desígnios políticos, dos quais a mídia brasileira nunca se afastou. Somos uma das mídias mais partidarizadas do mundo – e justiça se lhe faça, a mídia hegemônica brasileira sempre teve lado, coerência, nunca tergiversou quanto a isto, e os episódios históricos evidenciam isso, de Getúlio ao golpe de 1964, e o livro de PHA documento isso à saciedade.
Navego sempre nas águas da esperança. Creio não ser possível continuar com um jornalismo tão descomprometido com a verdade, tão distante de qualquer credo ético do jornalismo, liberal que seja. Os novos jornalistas – e também os velhos – têm muito a ganhar com tal leitura. E quando manifesto esperança em mudanças é porque o jornalismo, nos termos praticados no Brasil de hoje, como demonstrado pelo livro de PHA, caminha para o suicídio. O índice de confiança da população nos nossos meios de comunicação hegemônicos está abaixo dos 5%, demonstrado por pesquisa recente. Nem que seja por algum sentimento de sobrevivência, ou só por ele, talvez sejam levados a mudar. E nem precisa mudar muito: cumprir tão somente os seus próprios manuais de redação.
*jornalista e escritor
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