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OBSERVATÓRIO - Economia Solidária: uma alternativa possível? - Por Keytyane Medeiros

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POR GUILHERME SILVA
Rede Nacional das Casas da Cultura Hip Hop é a primeira cooperativa nacional de arranjos produtivos de cultura do país.
Por Keytyane Medeiros
Em agosto de 2015, mais precisamente no dia 17 deste mês, foi formalizada a Rede Nacional das Casas da Cultura Hip Hop. Constituída por 16 Casas da Cultura Hip Hop e empreedimentos solidários espalhadas pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo tornou-se oficialmente uma Rede de Cooperativas e Arranjos Produtivos, pautada pelos preceitos da Economia Solidária e é a primeira cooperativa nacional de cultura.
Bob Controversista, um dos gestores da Rede Nacional das Casas do Hip Hop acredita que a conquista é bastante significativa para a Rede. “Na prática, a gente cria condições de ampliar os arranjos produtivos entre os empreendimentos da rede, cria condições para avançar na autogestão das Casas com mais autonomia, haja visto que a maioria delas tem parcerias com o poder público, o que ceifa a independência, no sentido de tomadas de decisão. E o mais importante, é ter amarrado por meio da Carta de Princípios e do Estatuto, o ser humano e o meio ambiente como centro desse processo de autogestão”, afirma.
Mas o que é Economia Solidária?
Em entrevista concedida à revista Estudos Avançados da USP em 2008, Paul Singer, um dos principais pesquisadores do tema no Brasil defende que a Economia Solidária é “um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles – essa é a característica central. E a autogestão, ou seja, os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente democrática, quer dizer, cada sócio, cada membro do empreendimento tem direito a um voto”.
Em documento publicado pela prefeitura de Curitiba em 2012, “a economia solidária é uma alternativa inovadora na geração de trabalho e na inclusão social, na forma de uma corrente do bem que integra quem produz, quem vende, quem troca e quem compra. Seus princípios são autogestãodemocraciasolidariedadecooperação, respeito à natureza,comércio justo e consumo solidário”.
Apesar do crescimento recente e da formalização de uma Secretaria de Economia Solidáriano Ministério do Trabalho ter acontecido somente em 2004, a Economia Solidária surge como movimento social já no século XIX. Segundo documento organizado pelaUniversidade Federal Fluminense, originalmente a Economia Solidária é conhecida como Economia Social, tendo sido rebatizada na sua chegada ao Brasil em 1970.
A partir da Primeira Revolução Industrial, em meados do século XIX, artesãos, comerciantes e pequenos agricultores tem seus negócios prejudicados pelo advento da máquina a vapor e da formação das fábricas. Em contrapartida e numa tentativa de fugir ao modelo industrial de negócio, formam-se as primeiras cooperativas de compras, vendas e distribuição igualitária de produtos, baseadas no comércio justo entre os associados. A primeira grande experiência nesse sentido é a cooperativa de consumo Rochdale, na Grã-Bretanha em 1844.
Para Paul Singer, a Economia Solidária tem propósitos políticos bastante claros, à medida que “demonstra que a alienação no trabalho, que é típica da empresa capitalista, não é indispensável. A heterogestão é justificada como eficiente a partir da visão de que alguns são mais capazes do que outros. A meritocracia justifica o poder de decisão estar concentrado no dono, o capitalista, depois em seus gerentes, enquanto a grande maioria é destituída de qualquer poder de decisão e mesmo de conhecimento sobre o conjunto”, afirma. Isto acontece pois, no sistema capitalista, os meios de produção e os lucros não são compartilhados coletivamente com os trabalhadores de uma empresa, mas divididos conforme a função e a tarefa exercida por cada assalariado. Dessa maneira, os trabalhadores passam boa parte da carreira exercendo as mesmas funções e tarefas, com pouca ou nenhuma variação ao longo do tempo, tornando o trabalho alienante, segundo Singer. Para ele, “o trabalho é uma forma de aprender, de crescer, de amadurecer, e essas oportunidades a economia solidária oferece a todos, sem distinção”, afirma.
Bob Controversista, que além de gestor da Rede Nacional das Casas do Hip Hop é também coordenador do Ponto de Cultura P de Protagonismo em Guarulhos e educador popular há 15 anos, acredita na capacidade geradora de renda da Economia Solidária. “A Economia Solidária traz a concepção de arranjos produtivos com sustentabilidade e colaborativismo para gerar emprego e renda. Sem hierarquizar ou fomentar a concorrência crua entre os coletivos e sim criar condições para que as pessoas possam sobreviver de maneira igualitária e justa dentro da Rede”.
Para Leonardo Pinho, cientista político e coordenador regional da UNISOL Brasil – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários, a Economia Solidária é antes de tudo, uma estratégia. “Trata-se de uma perspectiva de olhar para o país e para o seu desenvolvimento não mais baseado na concentração em grandes empresas e multinacionais, mas uma economia que vai além de produzir bens e riqueza para alguns, seja uma economia focada no ser humano e nas necessidades locais, respeitando as culturas tradicionais e as perspectivas comunitárias de cada região do país. Para nós, é uma estratégia de desenvolvimento fundada no respeito à vida e às pessoas, sendo produzida e comercializada por meio de bancos e poupanças, todos de forma coletiva e autogestionária, voltado para a perspectiva do desenvolvimento local”, afirma. A UNISOL Brasil é uma central de representação de coletivos e empreendimentos que tenham como fundamento a autogestão coletiva de seus negócios. A Central ajuda a estruturar projetos, editais e parcerias com universidades dentro e fora do país.
Mas e a Crise Econômica?
Leonardo Pinho acredita que a crise econômica atual faz parte do esgotamento de um ciclo de acumulação capitalista que se iniciou principalmente com a crise dos *subprimes e papéis financeiros em 2008. Para o cientista político, o desafio hoje é observar e construir alternativas viáveis para o modelo de negócio capitalista. “As alternativas do grande capital, historicamente são, a negação do papel do Estado em momentos de crescimento e em contrapartida, pedir socorro a esse mesmo Estado em momentos de crise. O que a Economia Solidária propõe é aproveitar esses momentos de crise para organizar de forma coletiva os trabalhadores mostrando que eles tem capacidade de gerir empresas e negócios coletivamente e propor uma nova economia”, afirma. Segundo ele, as grandes indústrias tomam medidas de corte de fornecedores e investimento, além de arrojo salarial.
Segundo pesquisador Paul Singer, em seu artigo “Desenvolvimento Capitalista e Desenvolvimento Solidário”, o desenvolvimento capitalista está fundamentado na propriedade privada e na meritocracia, excluindo, portanto, os trabalhadores dos processos de gerenciamento das empresas. Assim, a modo de produção capitalista divide a sociedade em camadas antagônicas, isto é, proprietários e empregados, ficando aos primeiros a responsabilidade de conduzir os negócios. Outro aspecto importante deste tipo de produção é a concorrência, que para o pesquisador, é a mola propulsora do desenvolvimento capitalista.
A Economia Solidária, com seus preceitos de autogestão coletiva e sustentabilidade critica duramente este método. Para Bob Controversista, a Economia Solidária enfrenta a crise com geração de renda e possibilidades. “A Economia Solidária passa ilesa nesses momentos de crise à medida que avança nas cadeias produtivas com consumo sustentável e regrado pelos empreendimentos, inclusive fazendo a economia capitalista girar num processo de desconstrução constante”, afirma.
Para o educador popular, uma rede de arranjos produtivos como a Rede Nacional de Casas do Hip Hop, a primeira cooperativa nacional de cultura do país, representa um avanço significativo na organização de um novo modelo de negócio no Brasil. “Trata-se de uma rede de produção, distribuição e gerenciamento orgânico, somando expertises, conhecimento de mercado e plano de negócios, alinhados com a economia solidária. Assim, forma-se um arranjo produtivo que fazem os produtos girarem interna e externamente, pois o mais importante é dar vazão aos produtos do universo Hip Hop que o mercado capitalista normalmente não absorve”, analisa. Uma das vantagens da formalização da Rede Nacional das Casas do Hip Hop, seria ainda segundo Bob, um modo de sair da produção como atividade-fim para passar a gerenciar todo o processo. Dentro desta lógica, produzir e comercializar um CD ou uma camiseta com temáticas relacionadas ao Hip Hop deixaria de ser uma atividade puramente lucrativa para ser também uma atividade empoderadora dos pequenos empreendedores sociais. “Ao invés de comprar camisetas de uma grande fábrica, compramos de pequenos empreendedores locais, estampamos nós mesmos e vendemos nas nossas próprias lojas”. Desta maneira, o processo de empoderamento é crescente e horizontal, além de se estender para todos os produtos gerados pela Rede.
Direitos Trabalhistas
A legislação vigente é de 2012 e exclui de suas normas três tipos de cooperativas bastante comuns no Brasil, são elas cooperativas de profissionais liberais, de transportes públicos e assistência à saúde. Pela lei 12.690/2012, considera-se uma cooperativa associações de trabalhadores autônomos, autogestionários e de proveito comum, a fim de obter melhores qualificações, renda e condições de trabalho. Assim, as cooperativas podem ser de serviços ou de produção, como no caso da Rede Nacional das Casas do Hip Hop.
A própria lei estabelece que a autogestão das cooperativas de trabalho deve se guiar por princípios democráticos, de participação econômica e adesão voluntária livre, além de buscar a educação, a formação e a não precarização do trabalho dos associados. No entanto, uma das críticas recorrentes a este tipo de organização do trabalho diz respeito à garantia dos direitos trabalhistas dos associados, que não estavam claramente estabelecidas pela lei das cooperativas de 1971. Depois da reformulação da lei, em 2012, as cooperativas passam a ter obrigatoriedades a fim de evitar falsos empreendimentos solidários e impedir a formação de novas cooperativas abusivas e verticalizadas. Entre as novas regras, está não exceder 8 horas de jornada de trabalho ou 44 horas semanais, garantir seguro acidente e retirada mínima igual ou superior ao salário mínimo vigente no país.
Em entrevista, Paul Singer revela que muitas empresas e falsas cooperativas no Brasil se aproveitam dessa legislação falha para pregar golpes em seus associados. “Isso tem sido mais do que um entrave, um desafio. Um desafio muito grande, porque tais direitos básicos do trabalhador – trabalhar em segurança, não perder a saúde no trabalho, ter assegurado Fundo de Garantia por Tempo de Serviço que é uma espécie de auxílio desemprego etc. – são absolutamente essenciais hoje. São normas internacionais, instituídas por convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e aprovadas pela maioria dos países. O intenso crescimento da economia solidária não pode ser confundido com a disseminação das falsas cooperativas, pois isso significaria transformar os trabalhadores de economia solidária em trabalhadores de segunda classe”, afirma.
Sobre isso, Leonardo Pinho da UNISOL e Bob Controversista convergem em suas opiniões. Pinho sintetiza “essas falsas cooperativas são na verdade adversárias de um projeto econômico mais solidário e mais justo para o nosso país, e isso só vai acontecer a partir de uma unidade entre o movimento cooperativista e associativista, realmente autogestionário, com o movimento sindical, buscando sempre a ampliação dos direitos dos trabalhadores. Nosso projeto de país se faz, na verdade, com a ampliação de direitos e não com a retirada dos mesmos”.
*Subprimes: o termo é empregado para designar uma forma de crédito hipotecário para o setor imobiliário, surgida nos Estados Unidos e destinada a tomadores de empréstimos que representam maior risco. Esse crédito imobiliário tem como garantia a residência do tomador e muitas vezes era acoplado à emissão de cartões de crédito ou a aluguerl de carros.

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