SEX, 28/08/2015 - 08:59
Prezado Senhor
Não vou tratá-lo pelo nome artístico porque não quero falar ao artista, mas ao homem. Assim, declino de tratá-lo por Lobão, como é conhecido.
Com filhos adolescentes, quando o Sr. fez sucesso, logo percebi que diferia, quer pela rebeldia mais consistente, com mais conteúdo, quer pela poesia das suas letras, ou ainda pela versatilidade criativa, que o levou do rock ao samba.
Posteriormente a minha admiração aumentou, ao vê-lo assumir publicamente que consumia drogas, não pelo fato de consumir, mas por não ser hipócrita, negando.
Por consequência da sua inteligência logo vieram a tevê e o cinema, inclusive com o Sr. se aventurando na literatura.
Rebelde com causa, bateu duro nos barões da música, donos de gravadoras e editoras, batendo muito nas multinacionais da música, que usam os artistas brasileiros, culminando por criar o seu próprio selo, para distribuir as suas canções e lançar artistas novos, acompanhado de uma revista, “Outracoisa”, se não me falha a memória.
Foi um ardente defensor das rádios comunitárias, como forma de quebrar o monopólio da mídia oficial, toda ela comprometida com interesses escusos, hoje sua casa.
Por fim votou em Lula.
Comprei todos os seus discos, muitas vezes escrevi ouvindo-o, e não só pela qualidade musical.
Como forma de gratidão, no período em que o Sr. estava no ostracismo imposto pela Globo, toquei muito as suas músicas em meus programas, sempre elogiando-o, mas...
De repente o Sr. deu uma guinada de cento e oitenta graus, passando a defender os interesses dos que sempre foram alvos das suas críticas, transformando os seus algozes, implacáveis críticos e perseguidores, em amigos, fazendo um discurso diametralmente oposto ao das suas letras e declarações, no passado, assumindo uma posição elitista e preconceituosa, disseminando o ódio inconsequente entre os alienados, colecionando contradições.
No plano intelectual o Sr. desceu até os elogios a Olavo de Carvalho, um astrólogo tão absurdamente fora de contexto que é defensor do geocentrismo e acredita em conspirações de organizações secretas, assumindo que os seus fãs são pessoas de pouco estudo, chegando a ponto de afirmar que são idiotas fanatizados os que o seguem.
Pois a sua afinidade com ele repousa no conservadorismo exacerbado, inconsequente, vendo comunismo até nas vestes vermelhas de Papai Noel.
A esta altura, tendo encontrado esta carta em sua página, o Sr. deverá estar se perguntando porque resolvi escrever-lhe, e o motivo é simples: deparei-me com uma postagem sua onde afirma que a sua falência artística é de responsabilidade do Ministro da Justiça, que o persegue, no mínimo digitado em uma das suas viagens químicas.
Não, Sr. João Luiz, a presença de trinta ou cinquenta pessoas em seus shows é que fizeram os empresários correrem, temendo óbvios e certos prejuízos com as casas vazias.
E o motivo das casas vazias é que o seu público era formado de seres pensantes, da elite dos roqueiros, dos mais inteligentes que, como eu, perceberam a sua mudança, e os oprimidos que beijam os seus opressores só merecem desprezo.
Seus shows estão cada vez mais vazios, a sua figura cada vez mais anônima nas ruas, nas manifestações pedindo golpes políticos, porque os que foram aos shows para ver o Lobão encontraram o João Luiz, com outro discurso e outra postura.
Num quadro assim não é necessário que um ministro desça da sua autoridade para perseguir um artista menor.
Perseguido foi o Lobão, outrora, antes de se ombrear aos seus perseguidores, para ajudá-los a perseguir.
Sr. João Luiz, a sua falência artística está em que o povo gostava era do Lobão, e o senhor o matou.
O Lobão está morto.
Francisco Costa
Rio, 27/08/2015.
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