A campanha de ódio, xenofobia, racismo e machismo que vemos hoje nas redes sociais e até na grande mídia não surgiu após as últimas eleições. Têm raízes no desconforto de uma elite e uma classe média boçal que, mesmo não tendo perdido privilégios – ao contrário, sua qualidade de vida e acesso ao consumo melhorou – se incomoda com a ascensão social dos mais pobres, promovida pelos governos Lula/Dilma. Esse ódio é temperado cotidianamente por jornalistas e “analistas” que desqualificam os beneficiados de programas sociais e produzem calúnias à conta-gotas nas TVs, rádios, jornais e revistas semanais; programas de humor francamente racistas e humoristas de “stand up” que se apresentam como transgressores, mas apenas reciclam os velhos preconceitos; cantores decadentes que para sair do ostracismo aderem ao discurso reacionário, somados a certos intelectuais que produzem teses a partir do seu olhar e interesses de classe/raça. Isso tudo foi criando um “caldo de cultura” que se manifestou de maneira mais estridente após as eleições, com lideranças demo/tucanas desqualificando o voto dos pobres e nordestinos e as bizarras manifestações de ódio de classe e de raça que assusta e indigna a todos nós.
As manifestações de junho de 2013, que em alguns momentos estavam mais para um grande “flash mob” tiveram aspectos positivos. Contudo, contribuíram para que se “abrissem as portas do inferno”, colocando nas ruas demandas esdrúxulas, reivindicações obscurantistas e o aprofundamento da despolitização da juventude, materializada na palavra de ordem “sem partido” e na hostilidade ao movimento sindical e movimentos sociais. Os segmentos mais reacionários da população brasileira surfaram na falta de propostas concretas daquelas manifestações de milhões de jovens, a maioria sem saber contra o que protestavam, insuflados pela grande mídia que além de aproveitar para impor a sua pauta, vislumbrou a possibilidade de desgastar o governo. A extrema direita perdeu a vergonha e se sentiu legitimada para ir às ruas propagar preconceitos pavorosos, ódio ao Brasil e aos brasileiros pobres e negros, a quem – neste particular, corretamente – identificam com os governos democrático populares, encabeçados pelo PT.
A adesão dos setores organizados da extrema direita às manifestações contra a realização da Copa do Mundo deu longevidade e musculatura àquelas demandas reacionárias, antipopulares e inimigas do Brasil, como bem ilustra foto que rodou pelas redes sociais de um mascarado vestido com a bandeira dos Estados Unidos e exibindo uma bandeira do Brasil escrito lixo. Novamente surfaram nos atos públicos que mesclavam demandas legítimas por uma Copa que contemplasse os trabalhadores com a torcida (e ação de sabotagem, mais uma vez encabeçada pela mídia) pelo fracasso do evento, objetivando desgastar o governo e reforçar o “complexo de vira lata” que sustentava nossa incapacidade para promover um evento daquela envergadura. O sucesso da Copa fez crescer o ódio destes segmentos na mesma proporção da sua frustração pelo vexame não ocorrido que, indubitavelmente, seria creditado ao Governo Federal.
As eleições escancararam, de maneira inequívoca, dois projetos de País. Um elitista, subordinado aos interesses do capital internacional, excludente, racista, xenófobo, fundamentalista, antidemocrático, portanto fascista. E outro democrático/popular, inclusivo, igualitário, generoso, defensor da livre determinação dos povos, laico e democrático, portanto rumando para o socialismo. O projeto conservador, no primeiro turno foi capitaneado por Marina Silva e Aécio Neves e sua união no segundo turno apenas explicitou as semelhanças que no primeiro não estavam tão evidentes.
Apesar da mais organizada e violenta campanha midiática contra um partido e um governo de que se tem notícia no País e o colossal aporte do sistema financeira nacional e internacional, ganhamos as eleições. Vencemos mas o resultado não foi bom. O nosso partido perdeu cadeiras na Câmara e no Senado, assistimos o aumento das bancadas fundamentalistas, da bala, de ruralistas, de empresários e mesmo grande parte daqueles que se apresentam como base aliada, são conservadores e comprometidos com o capital e não com o trabalho, apontando para uma relação ainda mais difícil com o Congresso. Em São Paulo, a vitória no primeiro turno do tucano Geraldo Alckmin, a derrota de Dilma no primeiro e no segundo turno, a perda do nosso senador, a diminuição das bancadas federal e estadual e a expressiva votação de candidatos demagogos, atrasados e fundamentalistas reafirma o estado como epicentro do conservadorismo e terreno fértil para as propostas da extrema direita, inclusive as golpistas. Por outro lado, há que se admitir que parte significativa da votação da nossa candidata no apertado segundo turno foi devido a tomada de posição de militantes de base, dirigentes médios e até de lideranças de grande expressão dos partidos de esquerda que perceberam o que estava em jogo e o perigo que poderia significar a vitória de Aécio.
Cumprindo os desígnios do seu DNA antidemocrático, contudo, a extrema direita e a direita, capitaneada pelo DEM/PSDB – sempre com amplo apoio da mídia golpista - não se conforma com a derrota e agora, sem nenhum pudor, tentam promover um terceiro turno. Questionam a legitimidade das eleições no Tribunal Eleitoral, promovem manifestações pelo Impeachment da presidenta, defendem a volta do regime militar, insistem em envolver Dilma e Lula nas denúncias de corrupção na Petrobrás, que só estão sendo investigadas graças ao próprio governo petista, que não esconde, nem engaveta.
É devido a esse quadro sombrio no País, e em especial em São Paulo, e considerando o papel que as esquerdas cumpriram nessa eleição – e cumprem historicamente - que proponho ao Diretório Estadual, na qualidade de instância dirigente do maior partido socialista no mais rico e mais reacionário estado da Federação, que tome a iniciativa de promover um amplo debate com todos os demais segmentos de esquerda. Sabemos que não será um diálogo fácil. As relações foram extremamente esgarçadas e pontes derrubadas; seja por inúmeros equívocos nossos, seja pelos exageros de alguns daqueles partidos, seja pelas disputas acirradas que protagonizamos no interior do movimento social ou pelo excesso de pragmatismo de todas as partes. Compreendendo que o quadro nacional é mais complexo e devido as dificuldades nessas relações, sugiro que limitemos esse debate - num primeiro momento - ao estado de São Paulo. Todavia, é urgente a abertura desse diálogo, que vai bem além da promoção de uma conferência dos petistas com convite estendido aos outros partidos e movimentos sociais (proposta aprovada na última reunião do Diretório Estadual), que, assim como iniciativas anteriores, corre o risco de se transformar numa sucessão de discursos que “pregam para os convertidos”.
É fundamental a promoção de uma discussão mais qualificada, que não seja reduzida a cobrança de apoio a um governo que esses setores – acertada ou equivocadamente – tem uma série de críticas. Governo do qual o PT é o principal partido de sustentação e que, por isso mesmo, não pode limitar sua pauta e relações políticas a garantia da governabilidade, menos ainda subordinar sua agenda a agenda governamental.
Esse diálogo respeitoso, horizontal, franco, agregador, que não deve e não pode propor adesismos, teria como foco a construção de um bloco para barrar o crescimento da direita na nossa sociedade e pode inaugurar um novo momento político da esquerda brasileira, materializado numa conferência promovida pelos diretórios estaduais do PT, PC do B, PCB, PSOL, PSTU, PCO, PPL e POR, além de outros grupos que não se apresentam como partidos políticos mas atuam organizadamente junto aos setores populares e juvenis.
É nossa tarefa fazer um grande esforço para convencer esses companheiros a dialogar argumentando que, sem escamotear nossas divergências, elas são insignificantes diante da possibilidade de ressurgimento no fascismo no País.
*Ramatis Jacino é membro do Diretório Estadual do PT-SP
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