Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do mais temível grupo fundamentalista do mundo, leva a selvageria e o terror a um novo nível
RODRIGO TURRER E FILLIPE MAURO
26/08/2014 08h27
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Abu Bakr al-Baghdadi é um homem discreto e misterioso. Apenas duas fotos suas são conhecidas: uma de 2005, quando ele ainda era um jovem aspirante a jihadista, detido em uma prisão americana no Iraque. A outra, mais recente, é de uma rara aparição pública, em julho deste ano. Trajando túnica e turbante pretos, com uma longa barba, que invocam o mítico início do islamismo, Baghdadi deu um sermão de meia hora na grande mesquita de Mossul, a maior cidade do Iraque tomada pelo grupo fundamentalista liderado por ele, o Estado Islâmico (IS, na sigla em inglês, anteriormente chamado de Isis, Estado Islâmico do Iraque e Levante). Na ocasião, Baghdadi se autoproclamou “o novo califa Ibrahim, emir dos crentes no Estado Islâmico”. Em voz suave e monocórdia, conclamou os muçulmanos a obedecer-lhe enquanto ele “obedecer a Deus” e convidou “médicos, engenheiros, juízes e especialistas em jurisprudência islâmica” a se juntar a ele.
Unir-se a Baghdadi significa dar um passo além da usual selvageria dos extremistas. Em fevereiro, à medida que o Isis crescia e avançava, a rede terrorista al-Qaeda rompeu com o grupo, por considerar suas táticas excessivamente agressivas. É prática comum de seus militantes atacar a população civil, eviscerar os capturados, estuprar mulheres e crucificar vivos os adversários. Baghdadi, o mentor da barbárie, tornou-se num ano o jihadista mais poderoso do planeta. À frente do Isis, conquistou territórios na Síria e no Iraque, apagou a fronteira entre os dois países e arrebatou o apoio da maioria dos sunitas da região. Estima-se que o IS tenha agora ativos de mais de US$ 2 bilhões, graças ao controle de poços de petróleo nos dois países.
Baghdadi começou a sair das sombras no verão de 2010, quando se tornou líder da al-Qaeda no Iraque (AQI), de orientação religiosa sunita. A estratégia anti-insurrecional americana, combinada a rivalidades entre grupos muçulmanos, levou ao colapso da rebelião sunita contra as tropas dos Estados Unidos. A AQI perdeu relevância e quase desapareceu. Baghdadi foi a figura central no renascimento do grupo. É o responsável pelas estratégias e táticas militares que renderam vitórias ao Isis. O verdadeiro nome de Baghdadi é Awwad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarrai. Ele nasceu em 1971, perto de Samarra, uma cidade 100 quilômetros ao norte de Bagdá. Pouco se sabe sobre sua infância. Na juventude, cursou graduação em estudos islâmicos, incluindo poesia, história e genealogia, na Universidade Islâmica de Bagdá. Depois, fez mestrado e doutorado em estudos islâmicos na Universidade de Ciências Islâmicas de Adhamiya. Quando os EUA invadiram o Iraque, em março de 2003, Baghdadi já era militante islamista e pregava na província de Diyala. No começo da ocupação americana, manteve seu próprio grupo armado, com 50 a 100 combatentes.
Em 2005, Baghdadi foi capturado pelo Exército americano em Falluja. Foi considerado um prisioneiro de pouca importância e encarcerado no centro de detenção de Camp Bucca, no sul do Iraque. O comandante do centro de detenção disse em entrevista à rede americana NBC que jamais imaginara que aquele homem se tornaria um líder e uma ameaça global. “Ele era um mero arruaceiro”, afirmou o coronel Ken King. “Nem com uma bola de cristal seria possível prever que ele se tornaria o pior dos piores.” Na prisão, Baghdadi teve contato com terroristas da al-Qaeda. Ao ser libertado, em 2009, voltou mais forte às atividades extremistas. Foi recrutado para o conselho militar do Estado Islâmico do Iraque (ISI), a nova versão da al-Qaeda no Iraque (AQI). Era considerado um conselheiro-chave para o então líder do grupo, Abu Omar al-Baghdadi.
Quando Abu Omar foi morto, Abu Bakr al-Baghdadi se tornou o líder natural do grupo, em abril de 2010. A partir daí, o Isis se reorganizou. Distribuía relatórios de atividades com listas de operações em cada província do Iraque. O novo líder começou a transformar uma filial local da al-Qaeda numa força distinta e independente, com uma agenda clara: criar um estado islâmico radical sunita no Iraque e na Síria. Seria seu califado. Baghdadi insistia no extremo sigilo. Não queria se revelar. Poucos conheciam sua verdadeira identidade ou localização. Prisioneiros da AQI dizem que jamais o viram, porque ele sempre usou máscara.
A discrição foi o segredo de seu sucesso. Ao contrário de outros líderes, evitou gravar e distribuir vídeos com mensagens grandiloquentes. “Quando você começa a fazer vídeos e a aparecer, aumenta as chances de ser capturado”, afirma Patrick Skinner, ex-agente da CIA e analista do Soufan Group, uma consultoria de segurança. “Baghdadi atua há cinco anos. Para um terrorista, isso é como os anos de vida de um gato. É muito tempo.” Em 2011, Baghdadi entrou para a lista de terroristas do governo americano, que oferece uma recompensa de US$ 10 milhões a quem der informações que levem à sua morte ou captura. Ele queria assumir a liderança da al-Qaeda, mas foi o egípcio Ayman al-Zawahiri quem sucedeu Bin Laden.
Baghdadi começou a sair das sombras no verão de 2010, quando se tornou líder da al-Qaeda no Iraque (AQI), de orientação religiosa sunita. A estratégia anti-insurrecional americana, combinada a rivalidades entre grupos muçulmanos, levou ao colapso da rebelião sunita contra as tropas dos Estados Unidos. A AQI perdeu relevância e quase desapareceu. Baghdadi foi a figura central no renascimento do grupo. É o responsável pelas estratégias e táticas militares que renderam vitórias ao Isis. O verdadeiro nome de Baghdadi é Awwad Ibrahim Ali al-Badri al-Samarrai. Ele nasceu em 1971, perto de Samarra, uma cidade 100 quilômetros ao norte de Bagdá. Pouco se sabe sobre sua infância. Na juventude, cursou graduação em estudos islâmicos, incluindo poesia, história e genealogia, na Universidade Islâmica de Bagdá. Depois, fez mestrado e doutorado em estudos islâmicos na Universidade de Ciências Islâmicas de Adhamiya. Quando os EUA invadiram o Iraque, em março de 2003, Baghdadi já era militante islamista e pregava na província de Diyala. No começo da ocupação americana, manteve seu próprio grupo armado, com 50 a 100 combatentes.
Em 2005, Baghdadi foi capturado pelo Exército americano em Falluja. Foi considerado um prisioneiro de pouca importância e encarcerado no centro de detenção de Camp Bucca, no sul do Iraque. O comandante do centro de detenção disse em entrevista à rede americana NBC que jamais imaginara que aquele homem se tornaria um líder e uma ameaça global. “Ele era um mero arruaceiro”, afirmou o coronel Ken King. “Nem com uma bola de cristal seria possível prever que ele se tornaria o pior dos piores.” Na prisão, Baghdadi teve contato com terroristas da al-Qaeda. Ao ser libertado, em 2009, voltou mais forte às atividades extremistas. Foi recrutado para o conselho militar do Estado Islâmico do Iraque (ISI), a nova versão da al-Qaeda no Iraque (AQI). Era considerado um conselheiro-chave para o então líder do grupo, Abu Omar al-Baghdadi.
Quando Abu Omar foi morto, Abu Bakr al-Baghdadi se tornou o líder natural do grupo, em abril de 2010. A partir daí, o Isis se reorganizou. Distribuía relatórios de atividades com listas de operações em cada província do Iraque. O novo líder começou a transformar uma filial local da al-Qaeda numa força distinta e independente, com uma agenda clara: criar um estado islâmico radical sunita no Iraque e na Síria. Seria seu califado. Baghdadi insistia no extremo sigilo. Não queria se revelar. Poucos conheciam sua verdadeira identidade ou localização. Prisioneiros da AQI dizem que jamais o viram, porque ele sempre usou máscara.
A discrição foi o segredo de seu sucesso. Ao contrário de outros líderes, evitou gravar e distribuir vídeos com mensagens grandiloquentes. “Quando você começa a fazer vídeos e a aparecer, aumenta as chances de ser capturado”, afirma Patrick Skinner, ex-agente da CIA e analista do Soufan Group, uma consultoria de segurança. “Baghdadi atua há cinco anos. Para um terrorista, isso é como os anos de vida de um gato. É muito tempo.” Em 2011, Baghdadi entrou para a lista de terroristas do governo americano, que oferece uma recompensa de US$ 10 milhões a quem der informações que levem à sua morte ou captura. Ele queria assumir a liderança da al-Qaeda, mas foi o egípcio Ayman al-Zawahiri quem sucedeu Bin Laden.
Baghdadi nunca aceitou o poder de Zawahiri. Em cartas trocadas pelos dois, interceptadas pela inteligência americana, Baghdadi dizia não reconhecer a autoridade de Zawahiri. Desafiando suas ordens de se concentrar no Iraque, Baghdadi decidiu ampliar as ações do grupo sobre a Síria. Entrou na luta contra o ditador sírio Bashar al-Assad, ao mesmo tempo que combatia os militantes da Frente Jabhat al-Nusra, a afiliada da al-Qaeda na Síria. No ano passado, derrotou a Jabhat al-Nusra e assumiu o comando de grande porção de território no norte da Síria. Em seguida, montou uma base na cidade síria de Raqaa, que deu a ele comando sobre campos petrolíferos. A al-Qaeda rompeu com o grupo, mas Baghdadi conseguiu uma vitória, ao menos temporária. Em seis meses, estabeleceu um califado entre Iraque e Síria. Na região, prevalece uma interpretação radical da lei islâmica, em que os inimigos são decapitados, e os ladrões e adúlteros, açoitados. O IS ameaçava exterminar minorias religiosas como cristãos, yazidis e shabaks xiitas. Não estava longe de Bagdá, a capital do Iraque, um país frágil e em reconstrução após a ocupação americana de oito anos, até 2011. Por isso, os EUA reagiram. Nas últimas semanas, voltaram a agir no Iraque e bombardearam as posições do IS.
Na semana passada, o IS deu mais uma prova ao mundo do que é capaz. Num vídeo divulgado pela internet em 19 de agosto, um militante do IS, encapuzado e vestido de preto, no meio do deserto, aparece ao lado de um homem de meia-idade, vestido de laranja, ajoelhado. O prisioneiro era o jornalista americano James Foley, sequestrado pelo grupo havia dois anos. “Gostaria de ter a esperança da liberdade e de poder ver minha família mais uma vez. Mas este navio já zarpou”, foram as últimas palavras de Foley. O carrasco do jornalista, um sujeito alto e com forte sotaque britânico, afirma que os verdadeiros assassinos de Foley são os EUA, que atacaram os muçulmanos ao bombardear o IS. Diz que “tudo o que acontecerá é resultado da complacência e criminalidade” dos americanos. Por fim, decapita Foley com uma faca.
O principal alvo do ato bárbaro não eram os amigos e familiares de Foley, mas sim os EUA e o presidente americano Barack Obama. Há pouco mais de 12 anos, radicais islâmicos da al-Qaeda deram uma mostra semelhante de selvageria. Em 22 de fevereiro de 2002, o consulado americano em Karachi, no Paquistão, recebeu o vídeo da execução de Daniel Pearl, repórter do jornal americano The Wall Street Journal. Pearl fora sequestrado um mês antes por militantes locais e entregue para a rede al-Qaeda. Seu executor foi o superterrorista Khalid Sheikh Mohammed, mais tarde capturado e hoje sob custódia militar americana em Guantánamo.
Na ocasião, os americanos organizaram uma operação de grande escala para capturar Sheikh Mohammed. Consideraram que era a resposta adequada à execução de Pearl. Nas próximas semanas, os EUA enviarão mais tropas ao Iraque. Militares americanos cogitam a viabilidade de derrotar o IS sem bombardear o grupo na Síria, pois isso poderia fortalecer oponentes do IS também incômodos, entre eles o ditador Bashar al-Assad. Na semana passada, Obama condenou a execução de Foley. Ao comentar a atrocidade, disse que o IS “não tem espaço no século XXI” e “age como um câncer”. Para as potências ocidentais, impedir a metástase é uma empreitada necessária – e extremamente difícil.
O principal alvo do ato bárbaro não eram os amigos e familiares de Foley, mas sim os EUA e o presidente americano Barack Obama. Há pouco mais de 12 anos, radicais islâmicos da al-Qaeda deram uma mostra semelhante de selvageria. Em 22 de fevereiro de 2002, o consulado americano em Karachi, no Paquistão, recebeu o vídeo da execução de Daniel Pearl, repórter do jornal americano The Wall Street Journal. Pearl fora sequestrado um mês antes por militantes locais e entregue para a rede al-Qaeda. Seu executor foi o superterrorista Khalid Sheikh Mohammed, mais tarde capturado e hoje sob custódia militar americana em Guantánamo.
Na ocasião, os americanos organizaram uma operação de grande escala para capturar Sheikh Mohammed. Consideraram que era a resposta adequada à execução de Pearl. Nas próximas semanas, os EUA enviarão mais tropas ao Iraque. Militares americanos cogitam a viabilidade de derrotar o IS sem bombardear o grupo na Síria, pois isso poderia fortalecer oponentes do IS também incômodos, entre eles o ditador Bashar al-Assad. Na semana passada, Obama condenou a execução de Foley. Ao comentar a atrocidade, disse que o IS “não tem espaço no século XXI” e “age como um câncer”. Para as potências ocidentais, impedir a metástase é uma empreitada necessária – e extremamente difícil.
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