OBSERVATÓRIO - ‘Jornalismo explicativo’ ganha força na web - Por Ken Doctor em 05/08/2014 na edição 810 - Versão resumida do original publicado pelo Nieman Journalism Lab, 25/7/2014, tradução de Rodrigo Neves - DO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
O Washington Post acaba de estrear seu mais novo produto,
o Storyline, que será um competidor dentro da nova
tendência do jornalismo norte-americano, chamada “jornalismo explicativo”.
Apoiando-se em uma ideia tão antiga quanto o
próprio jornalismo, diversos veículos estão apostando em uma abordagem voltada
mais a responder “como e por quê” do que apenas “quem, o quê, quando e onde”.
Entre os adeptos estão os sites “Vox” e “FiveThirtyEight” e a recente seção
“Upshot”do New York Times.
Mas
como explicar esse movimento da indústria jornalística dos Estados Unidos?
Para
David Leonhardt, que comanda o Upshot, um grande motivo é a explosão na
quantidade de dados disponíveis. Outro motivo é o tom casual da internet. Na
web, é mais fácil explicar assuntos complicados de forma coloquial.
O
jornalismo explicativo deriva tanto do conhecimento quanto da ignorância.
“Nossa autoridade vem do que sabemos e do que não sabemos”, diz Leonhardt.
“Isso também deixa claro para o leitor que estamos investigando e pensando no
assunto”.
O Upshot é um produto com foco digital. Há artigos
quase diários do Upshot na versão impressa do New York Times, mas
isso é apenas um detalhe no cotidiano da equipe de Leonhardt. Em vez de gastar
tempo tentando encaixar um artigo nos limites do jornal impresso, o Upshot está
livrepara escrever muito ou pouco. Muitas vezes, usa seu espaço impresso para
apontar artigos interativos em seu site, uma estratégia vital para os negócios de
um veículo que mistura leitores digitais e impressos.
A
equipe do Upshot também é profundamente digital, composta por 17 profissionais
entre editores, repórteres, especialistas em análise de dados e designers.
Também foram recrutados 10 colaboradores externos, especialistas e acadêmicos.
Mas
como foi que acabamos em um mundo onde há dois tipos de jornalismo? Um factual,
que responde ao “quem, o quê, quando e onde”, e outro explicativo, que responde
ao “como e por quê”?
É claro que para grandes jornais como o Washington
Post e o New York Times não há essa divisão. Uma
parte do que eles fazem todo dia é tentar explicar as notícias, mas na prática
não têm explicado tão bem assim para os leitores. A função de produtos como o
Upshot e o Storyline é trazer este assunto à tona, questionando o tipo de
jornalismo produzido atualmente.
A
morte do ciclo tradicional de notícias é a chave para se entender todo o
fenômeno de “jornalismo explicativo”. A internet obliterou as análises tardias
sobre as notícias do dia anterior. Hoje, os leitores esperam entender
completamente as notícias do dia assim que elas acontecem.
Os
jornais, impressos ou não, não podem mais exibir manchetes simples como “Avião
cai na Ucrânia” 18 horas depois de o evento ser discutido amplamente nas redes
sociais. Os leitores não querem saber a opinião do jornal. Querem apenas que
todos os fatos sejam costurados de uma forma inteligível.
A
destruição do ciclo tradicional de notícias também é a causa principal no
abismo que se abriu entre imprensa local e imprensa nacional ou global.
Negócios digitais superestimam a escala nacional e subestimam o local.
Não
é à toa que no noticiário local os fatos são cada vez menos explicados ao
público. Nos Estados Unidos, o número de jornalistas locais diminuiu 30% nos últimos
anos, com 18 mil demissões. Muito conhecimento sobre política e cultura local
foi perdido. Muitos dos colunistas e repórteres locais que sempre explicavam
assuntos relevantes ao seu público foram demitidos.
Devido
aos cortes, muitos jornais preferiram ampliar os temas de cobertura do que
aprofundá-los. Cada vez mais são produzidas notícias com pouca apuração, que
mistificam mais do que esclarecem.
E é em um ambiente jornalístico cheio de notícias
que não explicam as questões mais profundas que os leitores estão mais
dispostos a pagar por explicações. Esta é a mentalidade do New York
Times e do Washington Post ao criarem o Upshot e o
Storyline. Cada vez mais esses jornais dependem diretamente de seus leitores, e
leitores bem esclarecidos e satisfeitos são menos capazes de cancelar suas
assinaturas. Além disso, artigos bons e inteligentes são mais compartilhados, o
que se traduz com uma renda maior de publicidade.
O
jornalismo explicativo não é definido pela nova tendência de veículos com esse
foco e é muito mais antigo que isso. Mas essa nova tendência pode reviver esse
tipo de jornalismo.
Então,
se o jornalismo explicativo pode tornar o público mais esclarecido e aumentar a
renda do jornal, como a imprensa local pode se aproveitar disso?
Alguns
dos jornalistas mais novos podem ter a habilidade necessária para produzir
este tipo de reportagem, mas necessitam ser liderados e ao mesmo tempo estarem
livres para isso. É uma questão de dinheiro e de cultura de redação.
Questionado
se o formato do Upshot poderia ser imitado em uma escala local, Leonhardt
respondeu: “A diferença é que você não precisa de 17 pessoas para fazer isso.
Você pode fazer isto com apenas três”.
***
Ken Doctor é analista da indústria de mídia, autor de Newsonomics: Twelve New Trends That Will Shape the News You Get(St. Martin’s Press);
foi vice-presidente da Knight Ridder Digital
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