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OBSERVATÓRIO - A luta contra o racismo é uma das bandeiras pela emancipação do povo brasileiro - MÔNICA CUSTÓDIO*



Ainda hoje, após 124 anos da abolição, permanecemos de batalha em batalha desenvolvendo o bom combate pelo direito à educação, ao trabalho, à saúde e à habitação. Ou seja, pelos direitos sociais básicos, pelos direitos políticos e de acesso à cidadania garantida constitucionalmente. Mas negada substancialmente durante séculos e evidenciada nos nossos cotidianos.

No último período temos estado nos tribunais. E a nossa vitória no Supremo sobre a Lei de Cotas (Políticas Públicas Afirmativas, na Universidade) onde os ministros em uma votação histórica decidiram pela constitucionalidade das cotas, expressas em votação unânime, nos fortalecendo para as lutas vindouras que irão acontecer no Congresso e no Supremo.

A luta pela educação para o povo negro traduz uma necessidade que é de reparar este direito que nos foi negado desde a Lei do Ventre Livre (1871). Essa Lei foi uma das primeiras vitórias do movimento abolicionista, fazendo parte também da estratégia da monarquia, que preparava a abolição lenta gradual e segura, preocupados com a imagem do país internacionalmente, internamente com a produção econômica e a ordem social, que se colocava como pressuposto para uma nova base política e social para o país. 

A luta abolicionista era internacional e tinha o mesmo inimigo comum: a Igreja, que adotava estratégias diferentes, nos diferentes “estados nacionais”. No Brasil, o que importava era a liberdade da alma livre do pecado; nos Estados Unidos a liberdade civil; e na Inglaterra, a natureza cultural e política. 

De acordo com ALBUQUERQUE (2006), a ousadia era a marca de atuação dos emancipacionistas e dos negros que lutaram contra a escravidão até as vésperas da abolição. E nem de longe o fim da escravidão foi algo decidido e encaminhado somente pelos senhores e doutores do Império. A intensidade das revoltas e fugas coletivas foram uma das maiores evidências da crise do escravismo. E na segunda metade do século XIX, a preponderância da rebeldia negra para a falência do escravismo ficou marcada.

Para JUNIOR (2004), o protagonismo do movimento abolicionista contou com personagens negros como Luís Gama, José do Patrocínio, Manoel Querino e André Rebolsas, entre outros. Desta forma a monarquia se “dispunha” em aprovar projetos abolicionistas, mediante a pressão internacional e o aumento dos conflitos e violência entre escravos e senhores, seguindo a orientação da abolição lenta, gradual e segura, passando primeiramente pela Lei do Ventre Livre (1871), Lei do Sexagenário (1885) e por fim a abolição (13 de Maio de 1888). Viabilizando novas bases de legitimidade sintonizadas na propaganda que associava a abolição à ação exclusiva da Princesa Isabel. Ficando isso no imaginário de nossa população durante décadas.

Para além da abolição, que não teve como significado a desconstrução dos valores e estigmas associados a “questão da cor”, e sim de disseminação de teses racistas e de sua reconstrução na forma de ideologia racial adaptada para sociedade à mudança do status jurídico do negro, no meio social. As formas contemporâneas do racismo e da discriminação racial são fatores que ainda impedem a plena emancipação da população negra no pós-abolição.

A consolidação da ideologia racista tem como uma das bases de sustentação o “racismo científico” ocorrida por séculos e que permitiram a naturalização das desigualdades raciais, reafirmando o seu contexto político, social e jurídico. O racismo científico traz no seu bojo a tese do branqueamento racial. Essa tese se materializa durante abolição com a vinda de imigrantes para o trabalho assalariado nas áreas da agricultura e da indústria. Relegando os brasileiros de pele escura aos piores empregos, e lugares mais humildes, desvalorizados e mal remunerados, aos cortiços e favelas, na marginalidade, na miséria e na ignorância. 

E a tese do branqueamento racial permanecia. Foi em julho de 1911, durante o l Congresso Internacional das Raças, realizado em Londres, que João Batista Lacerda apresentou a tese “Os mestiços do Brasil”, que garantia que em cem anos (2012) os negros desapareceriam da população brasileira e os mestiços estariam reduzidos a 3% do seu total (apud, Schewarcz, 1995:11).

Ainda hoje (2012), por ironia do destino, continuamos a ser maioria. Somos 51% de negros e mestiços na população brasileira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Continuamos na luta pelo direito à emancipação, que ainda não chegou. Pois não tivemos acesso à terra, ao trabalho e à educação, o que possibilitaria ascensão intelectual, e posições mais qualificadas entre as atividades econômicas e sociais do país. 

Em tempo em que se construía em todos os níveis a abolição da escravatura no Brasil, no campo internacional os trabalhadores travavam batalhas respeitáveis pelo direito as condições de vida e trabalho como a redução de jornada de trabalho para oito horas semanais. Na Espanha, Felipe II estabeleceu tais direitos para os mineiros em 1573, ampliando para os demais trabalhadores vinte anos depois, em 1593.

No século XIX, essa bandeira foi retomada, então a conquista que inicialmente foi dos mineiros espanhóis, inspiraram operários em quase todo mundo, resultando nos “comícios de maio” segundo Karl Marx, (Apud Kocher 1987).

A jornada de oito horas passou a ser a principal reivindicação da classe operária, em especial dos operários americanos. E em 1869 foi criada a “Liga pelas Oito Horas”, que se transformou em um polo de aglutinação, culminando em uma série de manifestações, greves, que após a depressão econômica de 1884 e 1886, convocou a greve geral para 1º de maio, que tinha como referência o dia nacional da renovação dos contratos de trabalho.

KOCHER (1987) descreve que a princípio a manifestação era pacífica, até a polícia intervir com violência, causando seis mortes e cinquenta feridos, permitindo aos anarquistas convocarem oficialmente um ato contra a ação da polícia. E em meio ao comício uma bomba foi arremessada em direção aos policiais, desencadeando uma perseguição política aos líderes do movimento operários, e sete deles foram condenados a morte por enforcamento, e outros quinze a prisão.

A partir de então a luta tinha mais uma reivindicação, a inocência dos companheiros que os transformaram nos “oito mártires de Chicago”, como símbolo mundial da injustiça do estado capitalista. 

Esse acontecimento teve influência substantiva na 2ª Internacional, em 1889, em Paris, quando operários marxistas de vários locais do mundo decretaram o 1º de maio como Dia Internacional do Trabalhador. É a partir desta resolução que passamos a promover atividades em todo mundo e aqui no Brasil nas últimas décadas temos tido o êxito de unificar as centrais sindicais, movimentos sociais, em torno de reivindicações e bandeiras comuns ao mundo do trabalho.

E ainda hoje, passado 125 anos da luta dos “oito mártires de Chicago”, nossa luta ainda é pela Redução da Jornada de Trabalho, sem redução de salário, pela igualdade de direitos nos postos de trabalho, preservação do direito à aposentadoria, ao direito de greve, e as melhores condições de vida e trabalho.

Atualmente, a manutenção de velhos privilégios de classe, sob o capitalismo moderno, o racismo continua sendo um elemento fundamental para o 1º de Maio, uma história de luta e de luto da classe operária.

“Atualmente, sob o capitalismo moderno, o racismo moderno, o racismo continua sendo um elemento fundamental para a manutenção de velhos privilégios de classe”. (Clóvis Moura).
Bibliografia:
ALBUQUERQUE, Wlamyra R – Diretora de Arquivos da Fundação Pedro Calmon/ Secult- BA.
Coautora do livro Uma História do Negro no Brasil (Rio de Janeiro, Fundação Palmares, 2006).
JÚNIOR, Robert Daibert – Professor do Centro de Ensino Superior, e autor do livro Isabel, A “Redentora dos Escravos: Uma História da Princesa entre Olhares Negros e Brancos (Buaru: Editora sagrado Coração- Edusc, 2004).
KOCHER, Bernardo- Professor de História, Dissertação “Luto-Luta” (UFF, 1987).

* Diretora de Combate ao Racismo da Fitmetal

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