Centenários Negros – Mãe Biu do Xambá
domingo, 29 / junho / 2014
Filha de Ogum, Severina Paraíso da Silva (Mãe Biu) nasceu em 29 de junho 1914. Filha consanguínea de José Francelino do Paraíso, casado com Maria do Carmo Paraíso, que fora sua madrasta, foi iniciada por Artur Rosendo e Maria Oyá, nos ritos da Nação Xambá em 1934. Responsável pela sobrevivência da tradição em mais de uma década de repressão policial contra as religiões de matriz africana em Pernambuco, Mãe Biu dirigiu por 40 anos a casa que é hoje considerada a única da Nação nas Américas.
Ancestralidade - A tradição religiosa parte de uma área de fronteira entre Camarões e Nigéria, chegando ao Brasil em 1923. Com a repressão policial e o falecimento de Maria Oyá, yalorixá e matriarca da Nação, a família Xambá se dispersou em 1939 e só se reencontrou quando Mãe Biu reabriu seu terreiro em Santa Clara, no Recife. “Foram tempos difíceis. Só nos restabelecemos de fato em 1950 quando migramos para Olinda”, conta Guitinho de Xambá, sobrinho-neto de Mãe Biu, esclarecendo a estruturação do Quilombo Portão do Gelo que passou a existir em função do Terreiro e foi certificado pela Fundação Cultural Palmares em 2006.
O rapaz destaca Mãe Biu como figura central da Nação Xambá no país. “Foi ela quem conseguiu reunir a família e a reorganizá-la em seus princípios e valores ético, moral e espiritual”, enfatiza. Guitinho ressalta ainda, o fato de a comunidade sempre ter sido liderada por mulheres. Tal respeito é continuado de tal modo que, desde o falecimento da yalorixá, seu trono permanece a espera de uma sucessora, uma nova Iansã, à sua altura.
Tradicionalidade - Dona de uma personalidade forte, negra, mãe de quatro filhos. Era esse o perfil da grande Ialorixá que enfrentou os obstáculos de uma época em que o país foi marcado pela repressão. Um de seus filhos, Adeildo Paraíso da Silva ou Pai Ivo de Xambá, assumiu em 2003 a direção do Terreiro – 10 anos após o falecimento de sua mãe – com a responsabilidade de preservar o Culto aos orixás.
Ele se recorda de Mãe Biu como uma mulher amável e dedicada na transmissão dos conhecimentos tradicionais. “Ela era muito evoluída e foi quem empoderou a Nação. Sem ela, a tradição Xambá não teria resistido no Brasil”, explicou. Sempre preocupada com a consciência negra e com a continuidade dos saberes, apesar de analfabeta Mãe Biu garantiu que os ritos e tradições fossem registrados pela escrita, por veículos impressos de comunicação e por cerca de 800 fotografias.
Herança - Hoje Severina Paraíso da Silva é o nome da Rua que deu origem à comunidade de Portão do Gelo, o primeiro quilombo urbano de Pernambuco. De acordo com Ivo do Xambá, a conquista garantiu reconhecimento e benefícios aos moradores do bairro que vive em função do Terreiro. O dia-a-dia no quilombo é baseado no respeito às tradições, à família e aos mais velhos de modo que os conhecimentos são transmitidos de geração para geração.
As fotografias, roupas e peças ritualísticas deixadas pelos ancestrais da Xambá contemporânea compõem o acervo do Memorial Severina Paraíso da Silva. O espaço fica na casa onde foi aberto originalmente o Terreiro e mantém importante patrimônio material e imaterial etnológico. Um legado aos adeptos e seguidores do Candomblé da Nação.
Todos os anos, na data em que todo o país rende homenagens à São Pedro, seguindo o calendário católico, o Quilombo Portão do Gelo, sem desrespeitar ao santo, volta sua celebração com muita festividade à ancestralidade africana e às vitórias da Nação em mais um ano de resistência.
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