oBSERVATÓRIO - Biografia marca os 20 anos de morte de Mussum, que virou filão comercial e mito nas redes sociais - por Suzana Velasco - O GLOBO
Reverenciado na web, humorista criou bordões hoje estampados em camisetas e até em cerveja criada por um de seus cinco filhos
Escrachado na televisão, Mussum era só gentileza nos bastidores. Endureceu-se no colégio interno e na Aeronáutica, mas ganhou molejo nos botequins e na Mangueira. Teve cinco filhos, um de cada mulher, e deles cobrava o dever de casa e pedia a bênção. Tocava tamborim e reco-reco, mas também amava boleros e Johnny Mathis. Cozinhava rabada e filé au poivre. Torcia para o Flamengo no Rio e para o Corinthians em São Paulo. Lá ou cá, como diz o cineasta Roberto Farias, Mussum sempre saltava da tela.
— Todo mundo conhece um cara que é meio Mussum — diz o jornalista Juliano Barreto, que lança, em meados deste mês, a biografia “Mussum forévis — Samba, mé e Trapalhões”, pela editora.
Em cerca de 500 páginas, Juliano percorre a infância no Morro da Cachoeirinha, em Lins de Vasconcelos; o internato na Fundação Abrigo Cristo Redentor, onde fez curso profissionalizante de mecânico; a paixão pela Mangueira; a carreira de músico nos grupos Os Sete Modernos do Samba e Os Originais do Samba; e sua faceta mais famosa, a de humorista de “Os Trapalhões”, com Renato Aragão (o Didi Mocó), Dedé Santana e Zacarias.
O quarteto ficou conhecido pela geração internet por meio de programas gravados em fitas VHS e lançados no YouTube. Foi assim que o filho mais novo de Mussum criou uma memória do pai. Fruto de uma relação extraconjugal, mas assumido pelo artista, Antônio Carlos Gomes Júnior, conhecido como Mussunzinho, tinha menos de 1 ano quando o pai morreu.
— O Facebook e o Instagram têm sempre charges com o meu pai. Ele é presente o tempo todo, parece que está vivo — exalta ele, que é ator da TV Globo e está prestes a entrar em “Malhação”. — Com a internet tudo é muito rápido, então você precisa ter um tempo de piada muito bom, e ele tinha. Funcionou há 30 anos e funciona hoje.
Com a internet, cenas de “Os Trapalhões” que só tinham sido exibidas uma ou duas vezes, com as reprises dos anos 1990, foram reproduzidas aos milhares — e até aos milhões. Em grande parte delas, a estrela é Mussum.
— As reprises bateram recorde de audiência, e já foram o primeiro filtro para os melhores programas. A internet foi o segundo — diz Juliano. — O Mussum era muito usado em quadros curtos, que combinam com a internet. E tinha um humor sem freio, coisa que hoje em dia é considerado tabu. As reprises saíram do ar cedo, em 1998, quando começou a cruzada contra a baixaria na TV, o consumo de bebida e a linguagem ofensiva e preconceituosa.
Na web, jovens podem ver os olhos arregalados diante da cachaça (“mé”) ou de uma bunda de mulher (“forévis”). E ouvem piadas de negros, nordestinos e gays, o que já não é realidade da TV. Na boca de Mussum, porém, frases como “Negão é o teu passádis” e “Quero morrer prêtis se eu estiver mentindo” costumam ser relativizadas.
— O Mussum é de um carisma inacreditável, de uma época em que o humor era tão inocente que não se preocupava com o politicamente incorreto — diz Antonio Tabet, um dos criadores do Porta dos Fundos. — Sou partidário do Chico Anysio nessas horas: humor tem que ser engraçado. Não gosto de quem patrulha. Mas as piadas racistas vociferadas pelos Trapalhões em rede nacional hoje não podem ser ditas. E isso tem sua validade.
Grande Otelo, Chico Anysio, Dedé Santana e Renato Aragão viram potencial no carisma inocente. Em entrevista à revista “Casseta Popular”, em 1992, Mussum conta que, nos início dos anos 1960, começou a se apresentar no Copacabana Palace com Os Sete Modernos do Samba, depois que Herivelto Martins viu um de seus shows no quartel da Aeronáutica. O início na TV foi com Os Originais do Samba, em 1965, no programa “Bairro feliz”, na Globo, junto de Milton Gonçalves e Grande Otelo. Um dia o “Carlinhos do reco-reco’’ substituiu um humorista que faltou. Ali ele virou Mussum.
Ao convidar o comediante para a “Escolinha do Professor Raimundo”, no ano seguinte, Chico Anysio deu a ele sua marca registrada: os “is” no final das palavras, que povoam alguns dos memes mais compartilhados nas redes sociais. Já Dedé Santana e Renato Aragão dividem a paternidade do Mussum Trapalhão. Mas o próprio artista, na entrevista de 1992, conta que Dedé foi “quem enfiou na cabeça do Renato que precisa arrumar um crioulo engraçado para trabalhar nos Trapalhões”.
— Conheci os Originais do Samba pelo Jair Rodrigues (que integrou o grupo), e fiz amizade com o Mussum. Ele vivia lá em casa. Ele falava e já era engraçado. Quando comecei “Os insociáveis” com o Didi, na TV Record, eu dei a ideia, por que não botar um afrodescendente? Naquela época eu falei negro, né — conta Dedé, ironizando o politicamente correto. — O Mussum disse: “Você está enganado, eu não sou comediante, sou tocador de reco-reco.” Mas ele era um comediante nato. Para o público rir de uma piada você tem que ter um tempo certo. Mas, com o Mussum, o público ria em qualquer tempo que ele dava a piada.
É assim na internet: olhar para o rosto que salta, ler a palavra com “is” e rir, às vezes sem saber de quê. Além das expressões do próprio Mussum — como “forévis” e “cacildis” —, suas caretas são adaptadas a qualquer tema do momento. Ele pode ser Leonardo Di Caprio em “Titanics”, Zé Pequenis em “Cidade de Deus”, Anderson Silvis ou Steve Jobis. Na campanha à presidência dos Estados Unidos em 2008, o rosto de Barack Obama foi substituído pelo de Mussum, ou melhor, de Obamis. Quando o Rio foi anunciado como sede das Olimpíadas de 2016, o “Yes, we can” de Obama virou “Yes, we créu”. A mais recente criação da internet é Mussum como um dos jogadores da seleção brasileira no álbum de figurinhas da Copa do Mundo.
Os compartilhamentos atestam o sucesso das piadas, mas há quem não ache graça.
— A piada que vale para o Mussum na internet vale pra qualquer personagem — critica Tabet. — É só alguém usando uma imagem carismática para fazer piadas piores que as dele. Se eu fosse o Mussum, voltaria para puxar o pé dessas pessoas.
Os memes, porém, só fazem rir porque não estão isolados, como diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro:
— A piada escrita demora um tempo para ser lida, já o meme é instantâneo. E a cultura da internet se apropria de figuras públicas ou da produção audiovisual. No caso do Mussum, há tanto um exagero do personagem como seu uso como um especialista, dando opiniões sobre todos os assuntos. Você consegue tirar humor dessa contradição.
Para as novas gerações, a imagem de Mussum vem dos vídeos no YouTube. Num dos mais populares, ele quer pendurar a conta no bar, depois de muitas cervejas: “Mais duas ampolas do diurético, soma tudo e faz uma pindureta aí.” Resultado: 3,4 milhões de vizualizações.
— Ele bebia na TV. Hoje isso seria inaceitável, mas ele fazia com delicadeza. O bêbado do Mussum era chapliniano, que te levava para um lugar lúdico. Nenhuma criança virou alcoólatra por isso — diz o cineasta José Alvarenga Jr., que dirigiu Mussum em filmes como “O casamento dos Trapalhões”. — Ele tinha o espírito brasileiro de uma boa sacanagem, e era uma sacanagem infantil. Imagina, bunda pra ele era “forévis”! O Mussum botava leveza em temas pesados.
“Suco de cevadis é leite divinis”, dizia Mussum, frase que parou até no Diário Oficial de Alagoas em 2013, pelas mãos de um funcionário engraçadinho. Não à toa um dos filhos de Mussum, Sandro Gomes, 37 anos, lançou a cerveja Biritis. Sandro e os irmãos contam que Mussum controlava o consumo de bebida deles. Mais do que isso: todos dizem que o pai era rigoroso.
— Ele era divertido em casa, mas em primeiro lugar vinha a responsabilidade com os estudos. Era organizado e cobrava organização. Nada podia ficar fora do lugar — conta o advogado Augusto Cezar, o primôgenito, 48 anos.
Augusto e Sandro moraram com Mussum em São Paulo e no Rio. Iam juntos às gravações de “Os Trapalhões” no Teatro Fênix, passavam férias na casa de Angra dos Reis e conviviam com músicos como Alcione e Jorge Aragão, que se reuniam para tocar e provar as receitas de Mussum. Em algumas temporadas, recebiam Antonio Carlos Rocha, hoje com 43 anos, que foi registrado pelo padastro, e só conheceu Mussum quando tinha uns 10 anos.
— Eu estava morrendo de rir vendo “Os Trapalhões”, e minha mãe resolveu me contar que aquele era meu pai biológico — diz ele, que é especialista em logística em São Paulo.
Já Paula Aparecida, 44 anos, sempre viveu com a mãe em São Paulo.
— Ele gostava que a gente cumprisse regras. Brigava quando eu bebia na frente dele e me dava bronca porque me esquecia de pedir a bênção — conta Paula, funcionária pública em Osasco, que se espanta com a quantidade de jovens de menos de 20 anos que, fãs de Mussum, mandam-lhe mensagens no Facebook.
O período de menor convivência de Mussum com a família foi nos anos 1970, quando ele se dividia, em São Paulo, entre os shows e as gravações dos Originais do Samba e dos Trapalhões — além do programa de TV e das turnês de humor pelo interior, foram 23 filmes do quarteto. Foi o auge de seu sucesso como músico e o boom de “Os Trapalhões”, que desbancou a audiência do “Fantástico” já em sua estreia na TV Tupi, em 1975. A Globo levou o humorístico para lá em 1977. Depois de um par de anos na ponte aérea, Mussum deixou o grupo de samba e voltou de vez para o Rio.
— Ele deu um baque danado na gente — conta Bigode, integrante do grupo desde meados dos anos 1960, e o único músico da época ainda nos Originais do Samba. — Ele era um grande sambista, fazia muita pesquisa musical. Era nosso líder, comandava tudo. E nos alegrava todo dia com suas piadas. Naquela época, a brincadeira era diferente. Hoje, se você goza alguém, o cara quer te matar.
Como lembra o biógrafo de Mussum, o comediante não abandonou a música: depois dos 12 LPs e três discos de ouro com os Originais do Samba, ele fez três álbuns solo, foi diretor de harmonia da ala das baianas da Mangueira, instrutor da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã e assinou a trilha sonora de alguns dos filmes dos Trapalhões.
— Quando voltou ao Rio, ele começou a descobrir a cena musical carioca, a frequentar o Cacique de Ramos. Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, todos dizem que que ele entendia muito de harmonia e composição — diz Juliano.
Mussum só deixou os Trapalhões numa breve separação de Renato Aragão e os outros três, entre 1983 e 84. Seus programas ficaram no ar até o fim de 1993. Zacarias já tinha morrido em 1990, e, quando Mussum morreu, Renato não viu sentido em continuar o programa tal como ele era.
— O Mussum era uma alegria viva. Ele era simples e tinha um humor circense, sem pretensão, que por isso atinge todas as gerações. E fazia com o corpo mais uma marcação de texto. É difícil definir uma pessoa tão grande como ele foi — diz Renato Aragão, que nega a lenda de que o amigo improvisava muito no ar. — Ele decorava tudo. A gente tinha que estar muito seguro no texto para sair dele.
Já José Alvarenga Jr. conta que ele adorava improviso:
— Meu trabalho de diretor com ele era oferecer brinquedos imaginários para ele deitar e rolar. Ele teve vários voos solos nos filmes. Mas também sabia contracenar.
Dedé diz que Mussum era até mais engraçado fora da televisão, e adorava contar histórias de suas viagens.
— Uma vez fui pegar um avião pequenininho com ele. Chovia. O Mussum foi cabo da Aeronáutica por oito anos, mas não tinha coragem de subir. Ele falou: “Peraí que eu vou dar um tapa no beiço e já volto.” Tomou um uísque e foi. O piloto, todo de branco, ficava na porta com uma escadinha. Ele parou e peguntou: “Vai doer, doutor?” — lembra Dedé, às gargalhadas.
Quem trabalhou com Mussum cita a gentileza do artista com a equipe. Dedé lembra que uma vez o amigo o fez voltar porque ele, distraído, não tinha cumprimentado os funcionários do programa de TV. Tanto Alvarenga Júnior como Roberto Farias — que dirigiu um dos filmes mais bem cotados dos humoristas, “Os Trapalhões no Auto da Compadecida” — usam a palavra “adorável” para se referir a ele.
— Antes de tudo, o Mussum era um gentleman — afirma Farias. — Era adorável, educado, interessado no que estava fazendo. E era um bom ator. O Mussum criou um tipo para ele, mas fazia qualquer coisa. Tinha um carisma extraordinário, uma enorme capacidade de se comunicar. Quando ele falava só se olhava para ele. Ele saltava da tela.
Continua saltando. No próximo mês fará 20 anos que morreu Antonio Carlos Bernardes Gomes, aos 53 anos, em São Paulo, duas semanas depois de um transplante de coração. Já o Mussum, batizado por Grande Otelo em referência ao peixe escorregadio — “Eu não tenho cabelo no braço, ele ficava me alisando”, contou certa vez —, foi congelado no tempo da internet, nos vídeos antigos disponíveis no YouTube e em memes multiplicados pelas redes sociais, com caretas de olhos arregalados, emprestando traços a outros personagens e parafraseando tudo que possa terminar em “is”.
Em cerca de 500 páginas, Juliano percorre a infância no Morro da Cachoeirinha, em Lins de Vasconcelos; o internato na Fundação Abrigo Cristo Redentor, onde fez curso profissionalizante de mecânico; a paixão pela Mangueira; a carreira de músico nos grupos Os Sete Modernos do Samba e Os Originais do Samba; e sua faceta mais famosa, a de humorista de “Os Trapalhões”, com Renato Aragão (o Didi Mocó), Dedé Santana e Zacarias.
O quarteto ficou conhecido pela geração internet por meio de programas gravados em fitas VHS e lançados no YouTube. Foi assim que o filho mais novo de Mussum criou uma memória do pai. Fruto de uma relação extraconjugal, mas assumido pelo artista, Antônio Carlos Gomes Júnior, conhecido como Mussunzinho, tinha menos de 1 ano quando o pai morreu.
— O Facebook e o Instagram têm sempre charges com o meu pai. Ele é presente o tempo todo, parece que está vivo — exalta ele, que é ator da TV Globo e está prestes a entrar em “Malhação”. — Com a internet tudo é muito rápido, então você precisa ter um tempo de piada muito bom, e ele tinha. Funcionou há 30 anos e funciona hoje.
Com a internet, cenas de “Os Trapalhões” que só tinham sido exibidas uma ou duas vezes, com as reprises dos anos 1990, foram reproduzidas aos milhares — e até aos milhões. Em grande parte delas, a estrela é Mussum.
Na web, jovens podem ver os olhos arregalados diante da cachaça (“mé”) ou de uma bunda de mulher (“forévis”). E ouvem piadas de negros, nordestinos e gays, o que já não é realidade da TV. Na boca de Mussum, porém, frases como “Negão é o teu passádis” e “Quero morrer prêtis se eu estiver mentindo” costumam ser relativizadas.
— O Mussum é de um carisma inacreditável, de uma época em que o humor era tão inocente que não se preocupava com o politicamente incorreto — diz Antonio Tabet, um dos criadores do Porta dos Fundos. — Sou partidário do Chico Anysio nessas horas: humor tem que ser engraçado. Não gosto de quem patrulha. Mas as piadas racistas vociferadas pelos Trapalhões em rede nacional hoje não podem ser ditas. E isso tem sua validade.
Grande Otelo, Chico Anysio, Dedé Santana e Renato Aragão viram potencial no carisma inocente. Em entrevista à revista “Casseta Popular”, em 1992, Mussum conta que, nos início dos anos 1960, começou a se apresentar no Copacabana Palace com Os Sete Modernos do Samba, depois que Herivelto Martins viu um de seus shows no quartel da Aeronáutica. O início na TV foi com Os Originais do Samba, em 1965, no programa “Bairro feliz”, na Globo, junto de Milton Gonçalves e Grande Otelo. Um dia o “Carlinhos do reco-reco’’ substituiu um humorista que faltou. Ali ele virou Mussum.
Ao convidar o comediante para a “Escolinha do Professor Raimundo”, no ano seguinte, Chico Anysio deu a ele sua marca registrada: os “is” no final das palavras, que povoam alguns dos memes mais compartilhados nas redes sociais. Já Dedé Santana e Renato Aragão dividem a paternidade do Mussum Trapalhão. Mas o próprio artista, na entrevista de 1992, conta que Dedé foi “quem enfiou na cabeça do Renato que precisa arrumar um crioulo engraçado para trabalhar nos Trapalhões”.
É assim na internet: olhar para o rosto que salta, ler a palavra com “is” e rir, às vezes sem saber de quê. Além das expressões do próprio Mussum — como “forévis” e “cacildis” —, suas caretas são adaptadas a qualquer tema do momento. Ele pode ser Leonardo Di Caprio em “Titanics”, Zé Pequenis em “Cidade de Deus”, Anderson Silvis ou Steve Jobis. Na campanha à presidência dos Estados Unidos em 2008, o rosto de Barack Obama foi substituído pelo de Mussum, ou melhor, de Obamis. Quando o Rio foi anunciado como sede das Olimpíadas de 2016, o “Yes, we can” de Obama virou “Yes, we créu”. A mais recente criação da internet é Mussum como um dos jogadores da seleção brasileira no álbum de figurinhas da Copa do Mundo.
Os compartilhamentos atestam o sucesso das piadas, mas há quem não ache graça.
— A piada que vale para o Mussum na internet vale pra qualquer personagem — critica Tabet. — É só alguém usando uma imagem carismática para fazer piadas piores que as dele. Se eu fosse o Mussum, voltaria para puxar o pé dessas pessoas.
Os memes, porém, só fazem rir porque não estão isolados, como diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro:
— A piada escrita demora um tempo para ser lida, já o meme é instantâneo. E a cultura da internet se apropria de figuras públicas ou da produção audiovisual. No caso do Mussum, há tanto um exagero do personagem como seu uso como um especialista, dando opiniões sobre todos os assuntos. Você consegue tirar humor dessa contradição.
Para as novas gerações, a imagem de Mussum vem dos vídeos no YouTube. Num dos mais populares, ele quer pendurar a conta no bar, depois de muitas cervejas: “Mais duas ampolas do diurético, soma tudo e faz uma pindureta aí.” Resultado: 3,4 milhões de vizualizações.
— Ele bebia na TV. Hoje isso seria inaceitável, mas ele fazia com delicadeza. O bêbado do Mussum era chapliniano, que te levava para um lugar lúdico. Nenhuma criança virou alcoólatra por isso — diz o cineasta José Alvarenga Jr., que dirigiu Mussum em filmes como “O casamento dos Trapalhões”. — Ele tinha o espírito brasileiro de uma boa sacanagem, e era uma sacanagem infantil. Imagina, bunda pra ele era “forévis”! O Mussum botava leveza em temas pesados.
“Suco de cevadis é leite divinis”, dizia Mussum, frase que parou até no Diário Oficial de Alagoas em 2013, pelas mãos de um funcionário engraçadinho. Não à toa um dos filhos de Mussum, Sandro Gomes, 37 anos, lançou a cerveja Biritis. Sandro e os irmãos contam que Mussum controlava o consumo de bebida deles. Mais do que isso: todos dizem que o pai era rigoroso.
Augusto e Sandro moraram com Mussum em São Paulo e no Rio. Iam juntos às gravações de “Os Trapalhões” no Teatro Fênix, passavam férias na casa de Angra dos Reis e conviviam com músicos como Alcione e Jorge Aragão, que se reuniam para tocar e provar as receitas de Mussum. Em algumas temporadas, recebiam Antonio Carlos Rocha, hoje com 43 anos, que foi registrado pelo padastro, e só conheceu Mussum quando tinha uns 10 anos.
— Eu estava morrendo de rir vendo “Os Trapalhões”, e minha mãe resolveu me contar que aquele era meu pai biológico — diz ele, que é especialista em logística em São Paulo.
Já Paula Aparecida, 44 anos, sempre viveu com a mãe em São Paulo.
— Ele gostava que a gente cumprisse regras. Brigava quando eu bebia na frente dele e me dava bronca porque me esquecia de pedir a bênção — conta Paula, funcionária pública em Osasco, que se espanta com a quantidade de jovens de menos de 20 anos que, fãs de Mussum, mandam-lhe mensagens no Facebook.
O período de menor convivência de Mussum com a família foi nos anos 1970, quando ele se dividia, em São Paulo, entre os shows e as gravações dos Originais do Samba e dos Trapalhões — além do programa de TV e das turnês de humor pelo interior, foram 23 filmes do quarteto. Foi o auge de seu sucesso como músico e o boom de “Os Trapalhões”, que desbancou a audiência do “Fantástico” já em sua estreia na TV Tupi, em 1975. A Globo levou o humorístico para lá em 1977. Depois de um par de anos na ponte aérea, Mussum deixou o grupo de samba e voltou de vez para o Rio.
— Ele deu um baque danado na gente — conta Bigode, integrante do grupo desde meados dos anos 1960, e o único músico da época ainda nos Originais do Samba. — Ele era um grande sambista, fazia muita pesquisa musical. Era nosso líder, comandava tudo. E nos alegrava todo dia com suas piadas. Naquela época, a brincadeira era diferente. Hoje, se você goza alguém, o cara quer te matar.
Como lembra o biógrafo de Mussum, o comediante não abandonou a música: depois dos 12 LPs e três discos de ouro com os Originais do Samba, ele fez três álbuns solo, foi diretor de harmonia da ala das baianas da Mangueira, instrutor da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã e assinou a trilha sonora de alguns dos filmes dos Trapalhões.
— Quando voltou ao Rio, ele começou a descobrir a cena musical carioca, a frequentar o Cacique de Ramos. Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, todos dizem que que ele entendia muito de harmonia e composição — diz Juliano.
Mussum só deixou os Trapalhões numa breve separação de Renato Aragão e os outros três, entre 1983 e 84. Seus programas ficaram no ar até o fim de 1993. Zacarias já tinha morrido em 1990, e, quando Mussum morreu, Renato não viu sentido em continuar o programa tal como ele era.
— O Mussum era uma alegria viva. Ele era simples e tinha um humor circense, sem pretensão, que por isso atinge todas as gerações. E fazia com o corpo mais uma marcação de texto. É difícil definir uma pessoa tão grande como ele foi — diz Renato Aragão, que nega a lenda de que o amigo improvisava muito no ar. — Ele decorava tudo. A gente tinha que estar muito seguro no texto para sair dele.
Já José Alvarenga Jr. conta que ele adorava improviso:
— Meu trabalho de diretor com ele era oferecer brinquedos imaginários para ele deitar e rolar. Ele teve vários voos solos nos filmes. Mas também sabia contracenar.
Dedé diz que Mussum era até mais engraçado fora da televisão, e adorava contar histórias de suas viagens.
— Uma vez fui pegar um avião pequenininho com ele. Chovia. O Mussum foi cabo da Aeronáutica por oito anos, mas não tinha coragem de subir. Ele falou: “Peraí que eu vou dar um tapa no beiço e já volto.” Tomou um uísque e foi. O piloto, todo de branco, ficava na porta com uma escadinha. Ele parou e peguntou: “Vai doer, doutor?” — lembra Dedé, às gargalhadas.
Quem trabalhou com Mussum cita a gentileza do artista com a equipe. Dedé lembra que uma vez o amigo o fez voltar porque ele, distraído, não tinha cumprimentado os funcionários do programa de TV. Tanto Alvarenga Júnior como Roberto Farias — que dirigiu um dos filmes mais bem cotados dos humoristas, “Os Trapalhões no Auto da Compadecida” — usam a palavra “adorável” para se referir a ele.
— Antes de tudo, o Mussum era um gentleman — afirma Farias. — Era adorável, educado, interessado no que estava fazendo. E era um bom ator. O Mussum criou um tipo para ele, mas fazia qualquer coisa. Tinha um carisma extraordinário, uma enorme capacidade de se comunicar. Quando ele falava só se olhava para ele. Ele saltava da tela.
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