A seita Boko Haram e o atentado à sede da ONU em Abuja, capital da Nigéria: uma lição que já deveria ter sido aprendida
Maurício Viegas Pinto1
De acordo com os números atuais, o atentado terrorista que ocorreu na última sexta-feira, 26 de agosto, contra a sede das Nações Unidas na cidade de Abuja, capital nigeriana, deixou um saldo de vinte e três mortos e mais de oitenta feridos, além de uma lição que já deveria ter sido aprendida: não se deve negociar com terroristas2.
A autoria do atentado foi assumida pela seita islâmica Boko Haram, cujo nome, no idioma hauçá, significa literalmente “a educação ocidental é pecaminosa”. O grupo surgiu em 2002, na Universidade de Maiduguri, situada no estado de Borno, na Nigéria. Desde então angariou milhares de novos adeptos, inclusive em alguns países vizinhos, como o Níger.
A área de atuação da Boko Haram situa-se mais ao norte da Nigéria, nitidamente na região onde há predominância da população muçulmana, em contraposição ao sul do país, onde prevalece a maioria cristã. Além do estado de Borno, onde se localiza a base da Boko Haram, a seita também opera nos estados de Bauchi, Yobe, Adamawa, Gombe e Taraba.
Atualmente, o perfil dos adeptos da Boko Haram não se limita apenas a estudantes universitários, incluindo até mesmo analfabetos entre os seus seguidores; em comum, todos defendem uma interpretação mais rigorosa da lei islâmica, a Sharia.
Sendo também conhecida como o “Talibã Nigeriano”, a Boko Haram foi fundada por Mohammed Yusuf. Com a morte de seu líder, que foi executado por policiais nigerianos em 31 de julho de 2009, a seita Boko Haram declarou abertamente guerra contra o governo da Nigéria.3
Como se pode inferir do próprio nome da seita, a sua ideologia remete ao salafismo, ou seja, trata-se de um grupo de natureza religiosa e fundamentalista, na medida em que defende o regresso ao Islã Puro como forma de se banir e evitar toda a pobreza moral e espiritual do ocidente.
Desde sua criação, a Boko Haram patrocinou diversos atentados na Nigéria, inclusive na capital federal Abuja, onde a sede da polícia foi explodida em 16 de julho deste ano. Diferentemente do que está sendo divulgado pela mídia, este ato, que resultou em oito mortos e dezenas de feridos, foi considerado o primeiro ataque suicida realizado pelo grupo.
Uma mostra do terror infligido pela seita Boko Haram aos cidadãos nigerianos é a declaração feita pelo comissário de polícia do estado de Borno, Mohammed Abubakar Jinjiri, ao jornal Sunday Tribune, na qual ele afirma que noventa por cento dos habitantes de Maiduguri estariam hesitantes e temerosos em fornecer informações à polícia sobre os esconderijos e as atividades dos membros da seita Boko Haram.
De fato, os últimos ataques da seita apontavam para um recrudescimento de suas ações, chegando inclusive a provocar o fechamento de várias instituições públicas e a retirada de milhares de habitantes para cidades mais ao sul, onde o grupo ainda não opera.
O governo da Nigéria, contudo, resolveu optar pela via do diálogo, seguindo as determinações do seu presidente, Goodluck Jonathan, e do ministro de assuntos policiais, Olubolade Caleb, os órgãos governamentais foram orientados a tentar um acordo de paz com os membros da seita.
O fato é que as autoridades nigerianas já deveriam ter aprendido que não se negocia com grupos terroristas, principalmente na iminência de que uma grande onda de ataques fosse deflagrada, já que em 31 de julho completou-se o biênio da morte de seu fundador, Mohammed Yusuf, ocorrida nesta mesma data, no ano de 2009.
A análise dos últimos atentados revela que a Boko Haram vinha, há algum tempo, alvejando delegacias para a obtenção de armas, e que explosivos estavam sendo empregados pelos membros do grupo em seus ataques.
Constata-se ainda, a partir da observação dos últimos atentados, que embora igrejas e bares também tenham sido alvejados, os principais objetivos da Boko Haram são efetivamente instituições e agentes públicos, tanto policiais quanto militares. Os ataques ocorrem sempre à luz do dia e são realizados geralmente com o emprego de motocicletas.
O ataque à sede das Nações Unidas na capital da Nigéria não pode ser avaliado de todo como uma surpresa, considerando-se que na visão de diversos grupos fundamentalistas a ONU deixou de ser uma organização neutra e imparcial, passando a atuar ativamente contra o interesse de países muçulmanos.
Vale recordar que este não é o primeiro grande atentado que um grupo fundamentalista islâmico comete contra a ONU nos últimos anos. Em dezenove de agosto de 2003, a sede das Nações Unidas no Iraque foi alvo de um ataque que matou vinte e duas pessoas, dentre elas o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Melo.
Como nos últimos atentados cometidos pela Boko Haram, desta vez o ataque também ocorreu durante o dia, às 11h00 da manhã. Contudo, no lugar de motocicletas, os terroristas invadiram o pátio da ONU com um carro-bomba, lançando-o contra o prédio.
O edifício de cinco andares, que fica na zona diplomática da capital nigeriana, perto da embaixada dos Estados Unidos, ficou parcialmente destruído. No momento do ataque, cerca de quatrocentas pessoas trabalhavam na sede das Nações Unidas.
Em recente pronunciamento, a Secretária-Geral Adjunta da ONU, Asha-Rose Migiro, classificou o ato como um ataque contra a paz mundial e contra a humanidade, já que no local trabalhavam pessoas procedentes de diversos países.
Espera-se, ao menos, que a partir de agora o governo nigeriano adote uma postura mais enérgica em relação aos membros da seita Boko Haram, de modo a evitar que ataques desta natureza voltem a se repetir.
Registre-se que uma ação realmente efetiva, que impeça novos atentados por parte da Boko Haram, deve obrigatoriamente atingir às fontes de financiamento da seita. Embora não haja evidências concretas, há relatos de que o grupo seja patrocinado por pessoas altamente colocadas na sociedade nigeriana e também por algumas organizações que compartilham de sua ideologia.
Atualmente a Boko Haram não possui um líder óbvio, havendo apenas um porta-voz que se manifesta em nome do grupo.
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1 O autor é Especialista em Inteligência Estratégica pela Universidade Gama Filho e Mestrando em Direito Penal Internacional pela Universidad de Granada – Espanha.
2 Link para o vídeo sobre o atentado contra a sede da ONU ocorrido na cidade de Abuja exibido no Jornal Nacional, em 26/08/2011: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/08/ataque-predio-da-onu-mata-ao-menos-18-pessoas-na-nigeria.html
3 Link para o vídeo que mostra o líder da seita Boko Haram sendo entrevistado por policiais nigerianos antes de ser executado. Acessado em 28/08/2011: http://www.youtube.com/watch?v=ePpUvfTXY7w
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