Mandela foi provavelmente o maior líder político do pós-guerra.
Mandela escapou da sina de "morrer novo como herói ou viver tempo suficiente para se tornar um vilão".
Mas não conseguiu evitar a docilização de sua imagem, como Gandhi, transformado em líder hippie e Che, em estampa de camiseta de grife.
O mundo pop, com a ajuda do Congresso Nacional Africano (CNA), transformou Mandela em um papai, dançando, sempre sorridente e bonzinho.
Onde havia um líder de esquerda (comunista, não social-democrata budista de Higienópolis), duro, firme, que não se esquivou de articular e apoiar a luta e a resistência armadas; colocou-se a imagem de um papai noel político, uma espécie de "Tio Barnabé”, negro sábio e contente.
Onde havia um polemista, criou-se uma unanimidade. E a unanimidade é inócua. Onde havia Rolihlahla (nome de “batismo”, que em Xhosa, significa “aquele que traz problemas”), surgiu o Madiba, algo como um ancião e guia de sabedoria.
Mandela foi forte politicamente. Demonstrou sabedoria de Madiba e habilidade política para conduzir uma transição sem derramamento de sangue em grande escala. Foi um mestre político ao trocar o "perdão" aos brancos pelo poder para seu partido e pela anistia ao passado. Foi extremamente hábil e forte para liderar a transição de uma sociedade formal e legalmente desigual em uma sociedade, ainda mais desigual, mas formalmente igualitária.
Mandela foi fraco administrativamente e, em troca da pacificação do CNA, entregou seu governo (e os sucessores) para uma elite partidária ineficiente como gestora pública e profundamente corrupta. De parte dos brancos, o preço que Mandela pagou foi acordar o esquecimento e anistia dos seus (e de tantos outros) algozes, torturadores, ativos agentes ou simplesmente coniventes com as décadas de Apartheid. A Comissão da Verdade por lá nunca cumpriu seus objetivos e metade de seus membros terminou por renunciar descontentes com os rumos do "abafa".
Docilizado, o legado de Mandela passou a servir para perpetuar o poder do CNA (um tipo de PRI [1] versão sul-africana), marcado por sucessivas violências, restrições à imprensa e corrupção que beneficia uma pequena elite negra. Serviu para que os brancos da África do Sul ganhassem ainda mais dinheiro. Não se fez reforma agrária, e os oligopólios mineradores e do agronegócio prosperaram como nunca antes.
Mandela foi essencial para a reinserção sul-africana na política e economia mundiais, trazendo capitais externos. E a África do Sul pós-Mandela aumentou a desigualdade e a violência.
Na África do Sul de hoje, de cada 10 presidiários, apenas um é branco; há a 2ª maior taxa de estupros do mundo, sendo que 8 em cada 10 vítimas são negras; e a 3ª maior taxa de assassinatos. A Polícia sul-africana é a 2ª que mais mata no mundo (perde para a nossa :-( (1).
No resto do mundo, a versão "Madiba" ajudou os outrora apoiadores do regime branco a virarem heróis da liberdade. Por 30 anos, EUA e Europa fizeram vistas e dinheiro grosso na África do Sul. Também usaram o repressor e bem equipado exército sul-africano para apoiar as guerrilhas antimarxistas em Angola e Moçambique assim como atiçar clandestinamente outros conflitos, como na Namíbia, no Congo e no antigo Zaire.
No Brasil, a imagem do bom velhinho vem contribuir para deixar intactos nossos preconceitos e permite-nos seguir com o extermínio de jovens negros e todas as outras formas disfarçadas de violência preconceituosa cotidiana contra os negros, até hoje considerados como mercadoria.
Morto, Mandela, que foi o maior herói político de uma era, seguirá a travar uma luta, desta vez contra a jaula da memória coletiva formatada pelos poderosos, que transforma tudo em show, produto e efêmeros trendtopics.
Mandela escapou da sina de "morrer novo como herói ou viver tempo suficiente para se tornar um vilão".
Mas não conseguiu evitar a docilização de sua imagem, como Gandhi, transformado em líder hippie e Che, em estampa de camiseta de grife.
O mundo pop, com a ajuda do Congresso Nacional Africano (CNA), transformou Mandela em um papai, dançando, sempre sorridente e bonzinho.
Onde havia um líder de esquerda (comunista, não social-democrata budista de Higienópolis), duro, firme, que não se esquivou de articular e apoiar a luta e a resistência armadas; colocou-se a imagem de um papai noel político, uma espécie de "Tio Barnabé”, negro sábio e contente.
Onde havia um polemista, criou-se uma unanimidade. E a unanimidade é inócua. Onde havia Rolihlahla (nome de “batismo”, que em Xhosa, significa “aquele que traz problemas”), surgiu o Madiba, algo como um ancião e guia de sabedoria.
Mandela foi forte politicamente. Demonstrou sabedoria de Madiba e habilidade política para conduzir uma transição sem derramamento de sangue em grande escala. Foi um mestre político ao trocar o "perdão" aos brancos pelo poder para seu partido e pela anistia ao passado. Foi extremamente hábil e forte para liderar a transição de uma sociedade formal e legalmente desigual em uma sociedade, ainda mais desigual, mas formalmente igualitária.
Mandela foi fraco administrativamente e, em troca da pacificação do CNA, entregou seu governo (e os sucessores) para uma elite partidária ineficiente como gestora pública e profundamente corrupta. De parte dos brancos, o preço que Mandela pagou foi acordar o esquecimento e anistia dos seus (e de tantos outros) algozes, torturadores, ativos agentes ou simplesmente coniventes com as décadas de Apartheid. A Comissão da Verdade por lá nunca cumpriu seus objetivos e metade de seus membros terminou por renunciar descontentes com os rumos do "abafa".
Docilizado, o legado de Mandela passou a servir para perpetuar o poder do CNA (um tipo de PRI [1] versão sul-africana), marcado por sucessivas violências, restrições à imprensa e corrupção que beneficia uma pequena elite negra. Serviu para que os brancos da África do Sul ganhassem ainda mais dinheiro. Não se fez reforma agrária, e os oligopólios mineradores e do agronegócio prosperaram como nunca antes.
Mandela foi essencial para a reinserção sul-africana na política e economia mundiais, trazendo capitais externos. E a África do Sul pós-Mandela aumentou a desigualdade e a violência.
Na África do Sul de hoje, de cada 10 presidiários, apenas um é branco; há a 2ª maior taxa de estupros do mundo, sendo que 8 em cada 10 vítimas são negras; e a 3ª maior taxa de assassinatos. A Polícia sul-africana é a 2ª que mais mata no mundo (perde para a nossa :-( (1).
No resto do mundo, a versão "Madiba" ajudou os outrora apoiadores do regime branco a virarem heróis da liberdade. Por 30 anos, EUA e Europa fizeram vistas e dinheiro grosso na África do Sul. Também usaram o repressor e bem equipado exército sul-africano para apoiar as guerrilhas antimarxistas em Angola e Moçambique assim como atiçar clandestinamente outros conflitos, como na Namíbia, no Congo e no antigo Zaire.
No Brasil, a imagem do bom velhinho vem contribuir para deixar intactos nossos preconceitos e permite-nos seguir com o extermínio de jovens negros e todas as outras formas disfarçadas de violência preconceituosa cotidiana contra os negros, até hoje considerados como mercadoria.
Morto, Mandela, que foi o maior herói político de uma era, seguirá a travar uma luta, desta vez contra a jaula da memória coletiva formatada pelos poderosos, que transforma tudo em show, produto e efêmeros trendtopics.
Nota
(1) PRI - Partido Revolucionário Institucional, do México.
(2) Fonte: Crime and Violence Global Stats; www.unodc.org
(1) PRI - Partido Revolucionário Institucional, do México.
(2) Fonte: Crime and Violence Global Stats; www.unodc.org
Publicado anteriormente em http://sociometricas.blogspot.com.br/2013/12/mandela-ou-tio-barnabe.html
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