Estava
disposto a me calar, diante dos fatos ocorridos na III Conferência Nacional da
Promoção da Igualdade Racial, realizada recentemente em Brasília, mas, confesso
que não consegui me conter após ouvir as impactantes palavras proferidas pelas
autoridades que realizaram a saudação inicial do evento, que reuniu mais de
1.500 pessoas em Brasília.
Como
todos sabem Araçatuba e Região representada por mais de 43 cidades, foi tolhida
de forma arbitrária de ter os seus representantes do poder público,
representados na conferência, pela incompetência da comissão organizadora da
Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial – Etapa São Paulo.
Diante
desta medida ditatorial, deixamos de participar com a nossa representação de
titular e suplente legitimamente eleitos e apresentados diante dos 500
delegados estaduais, participando somente com os nossos representantes da
sociedade civil.
Denunciei
este fato no texto que intitulei “Envergonhando Zumbi dos Palmares”, publicado
pelo site de notícias da AFROPRESS.
Porém
a minha indignação neste instante, se remete a outro problema, ocorrido na
abertura da CONAPIR, que teve o pronunciamento de Júlia Nogueira, Secretária de
Combate ao Racismo da CUT que representou a sociedade civil, Luiza Bairros,
Ministra da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e da Presidenta Dilma
Rousseff.
Farei
aqui algumas colocações para localizar de maneira objetiva o motivo da minha
indignação:
Desde
a minha infância, no período em que me passei a ter consciência das coisas que
ocorriam ao meu redor, uma das primeiras orientações que recebi de meus pais,
foi a de que para eu atingir o mesmo patamar dos brancos, eu deveria ser duas
vezes melhor, para que desta maneira eu tivesse alguma chance na vida.
Minha
mãe vivia me dizendo que seguramente numa escolha entre um empregado branco e
um negro, invariavelmente a escolha se daria pelo empregado branco, pois um
negro jamais teria condições de disputar em pé de igualdade com um representante
da raça branca.
Cresci
com esta informação traumatizante, sempre buscando realizar um esforço para ser
o melhor de todos.
Até
a minha idade de 20 anos eu pensava e agia desta maneira.
Foi
quando tive o primeiro contato com os ideais libertários do movimento negro nas
escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, exatamente no ano de 1978 na
fundação do Movimento Negro Unificado (MNU).
Debrucei-me
nesta época na obra completa de Abdias do Nascimento e comecei a minha
caminhada com o objetivo de adquirir a minha consciência de classe e de raça.
Passaram-se
os anos, chegamos ao ano de 2013, estou com cinquenta e seis anos de idade,
ligo a televisão e assisto na TV Câmara, uma ministra dizendo para a militância
presente na abertura da conferência: “Vocês estão preparados? Se não estiverem
preparados não venham!”.
Naquele
instante me indaguei qual era o verdadeiro sentido daquelas palavras?
Será
que o estar preparado, seria no mesmo patamar da ministra?
Será
que ao repetir as palavras da ministra, a presidenta Dilma lembrou-se do
período em que esteve nos porões da ditadura sendo torturada?
Ou
será que a pergunta estava sendo dirigida aos milhões de afrodescendentes que
são vitimas do racismo camuflado, que assassina os nossos jovens negros e que
estupra as nossas mulheres nos rincões existentes pelo Brasil afora?
O
que significaria “estar preparado”, saindo da boca de uma Ministra e de uma
Presidenta da República Federativa do Brasil?
Depois
de mais de trinta anos, ouvir uma pergunta como esta, me remete ao preconceito
existente no Brasil, na década de sessenta, que através da ingenuidade de meus
pais, me obrigava a tentar ser pelo menos duas vezes melhor que um branco para
conseguir ser alguém na vida.
A
minha revolta, se dá pelo fato deste preconceito comprovadamente estar
impregnado nas raízes brasileiras e de tempos em tempos ele se transfigura dos
ares da modernidade, arrebentando com tudo que ajudamos a construir de
consciência neste mais de 125 anos da falsa abolição.
A
minha maior decepção é de saber que as vozes da legalidade em pleno século XXI,
contribuem para ecoar de maneira trágica, o mesmo preconceito existente em
décadas anteriores, que me obrigava a aceitar que eu era cidadão de segunda
classe.
Desta vez, porém, com um
agravante, com palavras de ordem na abertura de uma conferência, questionando a
competência dos delegados e delegadas presentes, onde minimamente o
objetivo deveria ser o de se buscar coletivamente, sem posições
hierarquizadas, formas de enfrentamento e de cooperação coletiva na
elaboração de políticas de ações afirmativas, visando a erradicação
definitiva de todo racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância
correlata e não o contrário disto. .
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