OBSERVATÓRIO - “Não há violência no Black Bloc. Há performance” - por Willian Vieira e Piero Locatelli - publicado 02/08/2013
Manifestante anarquista, que participou das ações diretas em São Paulo, fala com CartaCapital sobre os protestos e a depredação de bancos e concessionárias
Quebrar bancos não é violência, é performance. Esta é opinião de uma manifestante dos black blocs, tática que vem ganhando adeptos no Brasil. Participante dos protestos em São Paulo na última semana, que resultaram na quebra de bancos e concessionárias, Roberto (nome fictício), de 26 anos, falou com a CartaCapital por e-mail sobre as ações. Ele explicou sua insatisfação com partidos, e os motivos que o leva às ruas para depredar símbolos capitalistas. Leia a entrevista abaixo:
CartaCapital: O que o motiva a fazer parte de um black bloc? São insatisfações com o sistema político, com partidos, com o capitalismo e o tipo de democracia que vivemos? Ou são outras razões mais específicas?
Roberto: O Black Bloc foi uma estratégia nascida em seio anarquista. Portanto, o que nos motiva é uma insatisfação com o sistema político e econômico em que vivemos. Para mim, as duas coisas são indissociáveis e têm problemas com raízes muito mais profundas do que partido X ou partido Y.
CC: De quantos protestos já participou, fazendo black bloc? Qual o primeiro?
Roberto: Fazendo Black Bloc, já foram três protestos. O primeiro foi o ato pela democratização da mídia, do dia 11 de julho. Mas antes já tinha participado de outras ações diretas, sem necessariamente a identificação com o Black Bloc. Por exemplo, os dois últimos atos pela redução da tarifa do transporte público, com a ação de queimar bandeiras do Brasil.
CC: Por que decidiu ir aos protestos e fazer parte do Black Bloc?
Roberto: Decidi ir porque considero a ação direta uma estratégia tão importante quanto a não-direta. Nossa sociedade vive permeada por símbolos, e saber usa-los é essencial em qualquer demanda, seja ela política ou cultural. Participar de um Black Bloc é fazer uso desses símbolos para quebrar pré-conceitos e condicionamentos. Não só do alvo atacado, mas até da própria ideia de vandalismo.
A sociedade tende a considerar a depredação como algo “errado” por natureza. Mas se nós sabemos e admitimos que os alvos atacados, em sua maioria agências bancárias até o momento, não foram realmente prejudicados – ou seja, os danos financeiros são irrisórios – qual é o real dano de uma estratégia Black Bloc? Por que deveria ser considerada errada a priori?
Não há violência no Black Bloc. Há performance.
CC: Não tem medo de ser preso ou de ser violentado pela polícia? Como lida com isso?
Roberto: Claro que tenho medo. Que ótimo que eu tenho medo. Existe o medo que paralisa e existe o medo que impulsiona. Lidamos com nosso medo nos organizando melhor, planejando nossas ações e debatendo cada estratégia.
Lidamos com nosso medo não sendo pegos.
CC: Você não se sente representado pelos movimentos sociais ou partidos? Por quê?
Roberto: Sinto-me “representado” por diversos coletivos ligados a movimentos sociais, como o MPL (Movimento Passe Livre), o DAR (Desentorpecendo A Razão), o CMI (Centro de Mídia Independente), a Marcha das Vadias etc. Existem outros que apoio fortemente, apesar de não poder dizer que me sinto representado porque isso seria hipocrisia: não é o meu perfil que eles querem (e devem) representar. Como exemplo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto).
Não me sinto representado por nenhum partido político. Veja que a conotação de “representação” aqui é outra. Não me sinto representado por partidos porque não sou a favor de uma democracia representativa, mas sim de uma democracia direta. A forma como os partidos políticos estão configurados atualmente serve apenas dentro da lógica da democracia representativa.
CC: Você lê/estuda sobre anarquismo? Acha importante esse debate no contexto dos black blocs?
Roberto: Sim, estudo tanto autores clássicos quanto os mais recentes. Acho esse debate importantíssimo. Veja, a estratégia Black Bloc é uma estratégia performática antes de tudo. E com alto valor simbólico. Não se trata de depredar pelo simples prazer ou alegria de quebrar ou pichar coisas. Trata-se de atacar o símbolo que existe representado naquele local ou objeto físico. A formação política ajuda a manter esse foco bem-definido. Ajuda a pensarmos quais são os alvos que valem a pena e quais são os que se tornariam puro ataque gratuito.
Além disso, debater teoria política também nos permite reconhecer quem é mais afinado com suas ideias e maneira de pensar, dando oportunidade para outras estratégias, Black Bloc ou não. Todo debate vale a pena, ele cria desdobramentos.
CC: A imprensa vem tentando fazer uma diferenciação entre manifestantes pacíficos e violentos. O que acha dessa tentativa de dividir em duas categorias os que estão nos protestos?
Roberto: Acho ridículo. Primeiro porque essa diferenciação não é fixa. Existem manifestantes, muitos aliás, que transitam entre os ditos “pacíficos” e os “violentos” dependendo das estratégias, do ato, do grupo de afinidade e da situação. Usar de ações direta não é uma invalidação de outras estratégias. Todas são válidas, e é essa multiplicidade que nos confere força.
E segundo porque a noção de “Violência” é completamente deturpada. As ações de vandalismo e depredação não podem ser consideradas violentes simplesmente porque não são ataques contra pessoas, mas sim contra coisas. A palavra “violência” carrega uma ideologia de discurso preconceituosa e irracional e é usada para desqualificar as ações diretas a priori.
CC: Os movimentos sociais e partidos de esquerda costumam tentar o diálogo por vias institucionais. A ação direta nas ruas pode trazer mais mudanças que esses processos? Por quê?
Roberto: As ações diretas não invalidam o diálogo por vias institucionais. Quando atacamos uma agência bancária, por exemplo, não somos loucos ou ingênuos de acreditar que estamos ajudando a falir um banco. Mas nós estamos sim ajudando a tornar evidente o clima de instabilidade política e a insanidade da nossa sociedade capitalista.
As táticas Black Bloc são uma demonstração do poder que já existe nas mãos da população, e esse poder é normalmente desconsiderado pela simples existência das chamadas “vias institucionais”. Quando atuamos com ação direta, queremos também chamar atenção a isso, a essa multiplicidade de caminhos para atender as reivindicações sociais e à ineficiência de se utilizar apenas um, especialmente um que é viciado pelo próprio sistema onde está inserido. Queremos demonstrar que política também se faz com as próprias mãos.
Não queremos afirmar que as ações diretas nas ruas podem trazer mais mudanças que esses processos, mas sim que as ações diretas nas ruas podem trazer mudanças A esses processos. É mais pressão, mais autonomia.
CC: Quais você acha que devem ser os alvos de ações diretas e por quê?
Roberto: Bancos e outras instituições financeiras por simbolizarem o capital; algumas sedes administrativas do poder público, por simbolizarem o Estado; alguns monumentos públicos (a idolatria aos bandeirantes é fascismo histórico e valorização do genocídio, por exemplo); relógios públicos (são suporte para a publicidade e simbolizam a escravidão pelo tempo); concessionárias, por incentivarem nosso modelo falido de transporte e vida em sociedade.
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