Pular para o conteúdo principal

Jornalista, profissional fragilizado

Por Leneide Duarte-Plon em 01/08/2011


É uma profissão que passa seu tempo a auscultar os outros mas ignora quase tudo de si mesma. Na França, o instituto Technologia resolveu saber mais sobre os jornalistas franceses num momento em que esses profissionais se sentem fragilizados e se questionam sobre o futuro da profissão, ameaçada pela diminuição do número de leitores de jornais e pelas receitas publicitárias cada vez mais magras.

Os analistas costumam apontar a internet como o vilão da decadência da imprensa escrita e do jornalismo tal como o conhecemos até hoje. Mas a crise é estrutural, diz um estudo francês publicado pela revista Marianne. Ao divulgar as conclusões da pesquisa do instituto Technologia, o diretor de Marianne, Denis Jeambar, se pergunta se em vez de ser o vilão da morte da imprensa, a Web não constituiria, “ao contrário, o ideal democrático da informação para todos ao alcance de um clique”. Segundo ele, o que a imprensa francesa chama de printemps arabe (primavera árabe) é a prova de que povos mais educados, e consequentemente mais bem informados, se revoltam contra ditaduras utilizando todos os meios modernos da comunicação. Assim, Al-Jazira foi um starter quase tão importante quanto o Twitter, o Facebook ou os smartphones na origem desse vento de liberdade. Sendo assim, novos meios são a melhor rima para liberdade.

A pesquisa que o instituto Technologia realizou, juntamente com o Sindicato dos Jornalistas, para avaliar o trabalho real dos jornalistas na França tinha por objetivo avaliar os laços entre democracia e qualidade de informação. Para isso, ouviu 1.070 jornalistas, que responderam aos questionários enviados aos 7 mil profissionais que possuem uma carteira de imprensa.

Princípio sagrado

A primeira constatação é que a profissão trabalha submetida a um enorme estresse. A segunda é que, graças aos novos meios como Twitter, Facebook e os smartphones, “os jornalistas não são mais os únicos a tratar as notícias e os acontecimentos podem abrir mão desses profissionais para serem divulgados”. Sendo assim, há risco real para a profissão de jornalista? Segundo os estudiosos, já estamos vivendo essa realidade em que na internet floresce o que os franceses chamam de “jornalismo cidadão”, de geração espontânea. Os jornalistas profissionais são cada vez mais criticados por conivência com as fontes, por aceitarem as pressões e as regras do jogo político, econômico e comercial das empresas em que trabalham.

Entre os jornalistas ouvidos por Technologia, os da imprensa escrita são os mais fragilizados: 62% dos profissionais da imprensa escrita veem a evolução da produção e do consumo da informação como uma ameaça; essa percepção baixa para 40% entre os profissionais de rádio e 32% entre os de televisão.

É bom lembrar que a imprensa escrita na França recebe anualmente 1,8 bilhão de euros do Estado. Se essa ajuda primordial for suprimida, muitos jornais que hoje sobrevivem com grande dificuldade simplesmente fechariam. Os números não são nada animadores: no primeiro trimestre deste ano, as vendas dos jornais diários caíram 4,5% em relação ao mesmo período de 2010. A própria Marianne, respeitada revista de esquerda, fundada por Jean-François Kahn e Maurice Szafran em 1997, nunca conseguiu ultrapassar os 50 mil exemplares semanais.

Uma das principais reclamações dos jornalistas ouvidos é a degradação das condições de trabalho pela multiplicação das tarefas em nome da racionalização dos custos. Evidentemente, os jornalistas aceitam as imposições para preservar seus empregos. “A rapidez e a emoção se tornam as regras de um jogo que nada tem a ver com a pesquisa da qualidade da informação”, escreve Denis Jeambar.

O diretor-geral de Technologia, Jean-Claude Delgènes, defende os profissionais da comunicação que, segundo ele, acabam sendo os bodes expiatórios pelo mal-estar da sociedade francesa. Para ele, os meios de comunicação são um elemento fundamental na democracia e seria muito perigoso diminuir sua importância. Marianne enfatiza que a liberdade de imprensa nunca está totalmente garantida e é consubstancial à democracia, como lembrava Victor Hugo quando escreveu: “O princípio da liberdade da imprensa não é menos essencial nem menos sagrado que o princípio do sufrágio universal; são dois lados da mesma moeda.”

“Efeito direto sobre a cidadania”

Estaria a imprensa realmente ameaçada pelas novas mídias? A resposta é “sim”. Segundo Marianne, nos Estados Unidos, pela primeira vez no mundo da edição, o número de livros digitais vendidos em 2011 ultrapassou os livros de bolso. A revista imagina que os jornais vivem a mesma ameaça.

O premiado e mundialmente célebre jornalista Bob Woodward é categórico: “Na lápide do diretor-presidente da Google deveria se escrever: `Eu matei os jornais.´” E conclui: “O sistema é obcecado pela rapidez, pela obrigação de responder a uma pseudo-impaciência do público, enquanto este mundo complexo tem necessidade de um jornalismo de grande qualidade, que exige trabalho e investigação em profundidade. Não se faz uma reportagem por telefone ou surfando na internet.”

Com as mudanças impostas ao trabalho do jornalista, Technologia detectou uma insatisfação generalizada entre os profissionais: 46% admitem não ter tempo de se recuperar entre dois períodos de trabalho particularmente difíceis; 68% pensam que têm de trabalhar mais rapidamente que antes; 73% dizem que a carga de trabalho aumentou nos últimos anos; 55% dizem que a atividade profissional tem um impacto negativo sobre a saúde e 88% dizem que ficaram estressados ou extremamente cansados por seus trabalhos nos últimos 12 meses.

Technologia conclui: “A degradação das condições de trabalho dos jornalistas tem um efeito direto sobre a maneira como os cidadãos pensam a atualidade e o bom andamento da sociedade. O enfraquecimento dos jornalistas como trabalhadores vem enfraquecendo a democracia como modelo político.”


[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Carta das Centrais Sindicais ao Presidente Bolsonaro

“EXMO. SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO MD. PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL BRASÍLIA – DF Senhor Presidente, As Centrais Sindicais que firmam a presente vem, respeitosamente, apresentar-se à Vossa Excelência com a disposição de construir um diálogo em benefício dos trabalhadores e do povo brasileiro. Neste diálogo representamos os trabalhadores, penalizados pelo desemprego que atinge cerca de 12,4 milhões de pessoas, 11,7% da população economicamente ativa (IBGE/PNAD, novembro de 2018) e pelo aumento da informalidade e consequente precarização do trabalho. Temos assistido ao desmonte de direitos historicamente conquistados, sendo as maiores expressões desse desmonte a reforma trabalhista de 2017, os intentos de reduzir direitos à aposentadoria decente e outros benefícios previdenciários, o congelamento da política de valorização do salário mínimo e os ataques à organização sindical, as maiores expressões deste desmonte. Preocupa-nos sobremaneira o destino da pol

19 Exemplos de publicidade social que nos fazem pensar em problemas urgentes - POR: INCRÍVEL.CLUB

Criadores de propagandas de cunho social têm um grande desafio: as pessoas precisam não apenas notar a mensagem, mas também lembrar dela. Você deve admitir que, mesmo passados vários anos, não consegue tirar da cabeça algumas peças publicitárias desse tipo, que fizeram com que passasse a enxergar determinadas situações sob uma outra ótica. Se antes as propagandas sociais abordavam tmas como a poluição do meio ambiente com plástico e o aquecimento global, hoje existem campanhas sobre os perigos do sedentarismo, os riscos que o tabagismo representa aos animais em decorrência do aumento de incêndios florestais e até sobre a importância das férias para a saúde humana. São, portanto, peças que abordam problemas atuais e familiares para muita gente. Neste post, o  Incrível.club  mostra a você o que de melhor foi criado recentemente no campo das propagandas de cunho social. Fumar não é prejudicial apenas à sua saúde, mas também aos animais que vivem em áreas que sofrem com incênd

Empresas impõem regras para jornalistas

REDE SOCIAIS Por Natalia Mazotte em 24/5/2011 Reproduzido do Jornalismo nas Américas http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/ , 19/5/2011, título original: "Site de notícias brasileiro adota regras para o uso das redes sociais por jornalistas"; intertítulo do OI Seguindo a tendência de veículos internacionais , o site de notícias UOL divulgou aos seus jornalistas normas para o uso de redes sociais , de acordo com o blog Liberdade Digital. As recomendações se assemelham às já adotadas por empresas de notícias como Bloomberg , Washington Post e Reuters : os jornalistas devem evitar manifestações partidárias e políticas, antecipar reportagens ainda não publicadas ou divulgar bastidores da redação e emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a imagem do site. Segundo um repórter do UOL, os jornalistas estão tuitando menos desde que as diretrizes foram divulgadas . "As pessoas estão tuitando bem menos. Alguns cogitam deletar seus p