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Espionagem em governos tucanos aponta relações obscuras com polícia e mídia

As revelações sobre episódios de espionagem política patrocinados por governos tucanos em São Paulo e no Rio Grande do Sul lançam um pouco de luz em uma zona sombria da relação entre poder político, aparato policial e mídia que não fica devendo nada ao escândalo Murdoch.

Em setembro de 2010, o governo Yeda Crusius (PSDB) foi alvo de novas denúncias envolvendo o uso do aparato de segurança do Estado para espionar jornalistas, adversários políticos e outras autoridades. As denúncias surgiram a partir da prisão do sargento César Rodrigues de Carvalho, da Brigada Militar, que estava lotado na Casa Militar do governo tucano, onde trabalha como segurança da então governadora, entre outras funções. O Sargento foi preso acusado de extorquir proprietários de máquinas caça-níqueis e de obstaculizar as investigações sobre o caso. Amílcar Macedo, promotor que conduziu o caso, revelou mais tarde que o sargento também tinha a atribuição de executar serviços especiais de espionagem.

A lista de espionados era longa, incluindo políticos, filhos de políticos, jornalistas (entre os quais estou incluído), delegados, oficiais de polícia e das forças armadas, uma desembargadora, entre outros. Segundo as investigações da promotoria, o sargento fazia, pelo menos, dois tipos de investigações: uma para levantar dados sobre a vida do investigado e outra para saber se a pessoa estava sendo investigada por alguma instituição.

Agora, em agosto de 2011, a revista Isto É publicou reportagem afirmando que os governos tucanos em São Paulo desenvolveram uma prática similar a essa atribuída ao governo Yeda Crusius. Intitulada “
Central tucana de dossiês”, a matéria de Pedro Marcondes de Moura afirma que “mais de 50 mil documentos encontrados no Arquivo Público de São Paulo mostram como a polícia civil se infiltrou e investigou partidos políticos, movimentos sociais e sindicatos em pleno governo de Mário Covas”. A reportagem afirma:

“Agentes infiltrados em movimentos sociais, centenas de dossiês sobre partidos políticos, relatórios minuciosos com os discursos de oradores em eventos políticos e sindicais. Tudo executado por policiais, a mando de seus chefes. Estas atividades, típicas da truculenta ditadura militar brasileira, ocorreram no Estado de São Paulo em plena democracia, há pouco mais de dez anos. Cerca de 50 mil documentos, até então secretos e que agora estão disponíveis no Arquivo Público do Estado, mostram como os quatro governadores paulistas, eleitos pelas urnas entre 1983 e 1999, serviram-se de “espiões” pagos com o dinheiro dos contribuintes para monitorar opositores. Amparados e estimulados por seus superiores, funcionários do Departamento de Comunicação Social (DCS) da Polícia Civil realizavam a espionagem estatal”.

Entre os alvos dessas operações na administração do PSDB, diz ainda a matéria, aparecem principalmente lideranças do PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Há dezenas de dossiês com informações sobre as duas entidades e seus principais expoentes. Já as investigações a respeito dos tucanos e seus aliados foram suspensas a partir de 1995, quando Covas assumiu o governo de São Paulo”.

Há algumas semelhanças gritantes entre as denúncias que surgem agora envolvendo governos do PSDB em São Paulo e aquelas feitas ao governo de Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. Os dois casos envolvem o uso do aparato de segurança do Estado para espionar adversários políticos, contando com o silêncio e, possivelmente, a cumplicidade de setores da mídia. O desenrolar das investigações e dos processos em curso no Rio Grande do Sul talvez possam inspirar algum procedimento semelhante em São Paulo.

Acusado de espionagem era informante da RBS
Em maio deste ano, o juiz Fernando Alberto Corrêa Henning, da 3ª Vara Criminal de Canoas (RS), recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o sargento da Brigada Militar, o ex-chefe de gabinete de Yeda Crusius, Ricardo Luís Lied, e Frederico Bretschneider Filho (tenente-coronel da reserva e ex-assessor de gabinete da ex-governadora) por acesso ilegal ao Sistema de Consultas Integradas da Secretaria de Segurança Pública (SSP).

A acusação feita pelo Ministério Público e aceita pela Justiça atualizou denúncias feitas pelo ex-ouvidor da Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul, Adão Paiani, que deixou o governo Yeda fazendo justamente essa acusação: uma estrutura de espionagem política ilegal havia sido montada no Palácio Piratini. Ao longo das investigações, essa estrutura apresentou ramificações midiáticas um tanto obscuras, envolvendo a RBS, o maior grupo de comunicação da região sul do país.

O sargento César Rodrigues de Carvalho era informante de jornalistas do Grupo RBS. O fato foi admitido pela própria empresa em uma nota publicada no dia 10 de setembro de 2010 no jornal Zero Hora. “O nome do sargento até agora não havia sido mencionado nas reportagens dos veículos da RBS em respeito ao princípio constitucional de proteção do sigilo de fonte”, disse a nota. Ainda segundo a RBS, “as informações se referiam a passagens por presídios, situação de criminosos foragidos e o tipo de crime em que estavam envolvidos, incluindo, em alguns casos, fotos”.

No mesmo período, um email foi enviado a vários jornalistas do Estado afirmando que o sargento “prestava serviços a jornalistas no acesso a dados”, em especial para a RBS. Segundo o jornalista Vitor Vieira, do site Vide Versus, jornalistas do grupo teriam recebido dez senhas de acesso ao Sistema de Consultas Integradas. Esse sistema, cabe lembrar, é de uso exclusivo das forças de segurança do Estado, não se destinando a servir como fonte privilegiada para jornalistas. Protegidas pelo sigilo que cerca o processo, há muitas informações sobre esse caso que ainda não vieram a público. Os veículos da RBS, como era de se esperar, não tocaram mais no tema da relação entre seus jornalistas e o sargento acusado de espionagem política e outros crimes.

As revelações sobre episódios de espionagem política patrocinados por governos tucanos em São Paulo e no Rio Grande do Sul lançam um pouco de luz em uma zona sombria da relação entre poder político, aparato policial e mídia que não fica devendo nada ao escândalo Murdoch.

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

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