Pular para o conteúdo principal

WICKIDEMOCRACIA

20/06/2011 

Reproduzido da seção “Tendências/Debates” da Folha de S.Paulo, 15/6/2011; intertítulos do OI  


As praças espanholas estão lotadas de jovens protestando contra o sistema político. É claro que o desemprego causado pela crise econômica é um fator importante para essa mobilização. Mas o grande diferencial é que os jovens não pedem apenas por mais emprego. Pedem por mais democracia. Pedem para que a política se transforme a partir da internet. Debater a política a partir da internet não tem nada a ver com políticos criando blogs. Mas, seja no Egito, na Espanha ou em Higienópolis, as manifestações recentes nos mostram a força de mobilização contida nas redes sociais.

O jurista americano Yochai Benkler mostrou ao mundo que a riqueza da rede está justamente na possibilidade de criar inovações coletivamente. Não é à toa que a principal enciclopédia do mundo é feita a partir de uma construção colaborativa: a Wikipédia. É chegada a hora de pensarmos em uma wikidemocracia.

O Ministério da Justiça, por exemplo, elaborou um projeto de lei para definir direitos dos cidadãos na internet, a partir de uma discussão inteiramente colaborativa, feita na rede. Pela primeira vez pôde-se acompanhar os argumentos e negociações da confecção de um projeto de lei de forma pública e transparente, além de a participação ter contado com atores que nunca poderiam fazer seus argumentos chegarem ao debate. Essa é uma das possibilidades que uma profunda reforma da política pode nos apresentar.

Agenda para políticas públicas

Para dar início a uma transformação que consiga dar vazão às mobilizações políticas presentes nas redes sociais e aproveitar a força criativa aí existente na elaboração das políticas públicas, há uma agenda delineada – e sempre aberta a ser reconstruída de forma pública. Essa agenda passa por quatro pontos, descritos a seguir.

1 – Amplo acesso a informações. Para que os diálogos públicos possam acontecer sem assimetrias, é fundamental que as informações sob guarda do Estado sejam amplamente publicizadas, de forma a gerar não só controle sobre ação estatal, mas também criar o terreno para que ideias inovadoras apareçam. Para isso, é fundamental a aprovação do PLC nº 41/2010, projeto de lei que obriga o governo a divulgar ativamente seus dados.

2 – Acesso ao conhecimento. Não é possível construir espaço de debate público se não se promover uma revolução no acesso ao conhecimento; é fundamental debater limites ao direito autoral e às normas de propriedade intelectual.

3 – Proteção da privacidade. Em uma época em que os dados pessoais podem se tornar públicos com a violência que vemos hoje, é fundamental uma legislação moderna sobre proteção à privacidade. Há hoje um projeto de proteção de dados pessoais que o Ministério da Justiça debate com a sociedade; é fundamental sua aprovação.

4 – Ampliação dos espaços de construção colaborativa de políticas públicas. O projeto de lei sobre a internet é um bom exemplo, mas iniciativas assim devem ser multiplicadas. É possível criar uma cultura de debate público entre os cidadãos, e entre eles e os governos, que possa realmente ser aberto a novas ideias, sendo também público e conectado com a mobilização da sociedade civil.

O utópico e o real

A geração que hoje está no poder foi politicamente forjada na lógica do conflito: não havia adversários, mas inimigos. A geração que se formou politicamente na vigência da Constituição cidadã deve construir uma política a partir do diálogo. Um diálogo que não ignore os conflitos reais de opinião e de visão de mundo e que inclua a pluralismo como um valor central.

O que parecia ser algo apenas utópico pode se tornar real se soubermos aproveitar as inovações tecnológicas para pensarmos em uma verdadeira reforma política.

[Pedro Vieira Abramovayé advogado e professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV)]

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Carta das Centrais Sindicais ao Presidente Bolsonaro

“EXMO. SR. JAIR MESSIAS BOLSONARO MD. PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL BRASÍLIA – DF Senhor Presidente, As Centrais Sindicais que firmam a presente vem, respeitosamente, apresentar-se à Vossa Excelência com a disposição de construir um diálogo em benefício dos trabalhadores e do povo brasileiro. Neste diálogo representamos os trabalhadores, penalizados pelo desemprego que atinge cerca de 12,4 milhões de pessoas, 11,7% da população economicamente ativa (IBGE/PNAD, novembro de 2018) e pelo aumento da informalidade e consequente precarização do trabalho. Temos assistido ao desmonte de direitos historicamente conquistados, sendo as maiores expressões desse desmonte a reforma trabalhista de 2017, os intentos de reduzir direitos à aposentadoria decente e outros benefícios previdenciários, o congelamento da política de valorização do salário mínimo e os ataques à organização sindical, as maiores expressões deste desmonte. Preocupa-nos sobremaneira o destino da pol

19 Exemplos de publicidade social que nos fazem pensar em problemas urgentes - POR: INCRÍVEL.CLUB

Criadores de propagandas de cunho social têm um grande desafio: as pessoas precisam não apenas notar a mensagem, mas também lembrar dela. Você deve admitir que, mesmo passados vários anos, não consegue tirar da cabeça algumas peças publicitárias desse tipo, que fizeram com que passasse a enxergar determinadas situações sob uma outra ótica. Se antes as propagandas sociais abordavam tmas como a poluição do meio ambiente com plástico e o aquecimento global, hoje existem campanhas sobre os perigos do sedentarismo, os riscos que o tabagismo representa aos animais em decorrência do aumento de incêndios florestais e até sobre a importância das férias para a saúde humana. São, portanto, peças que abordam problemas atuais e familiares para muita gente. Neste post, o  Incrível.club  mostra a você o que de melhor foi criado recentemente no campo das propagandas de cunho social. Fumar não é prejudicial apenas à sua saúde, mas também aos animais que vivem em áreas que sofrem com incênd

Empresas impõem regras para jornalistas

REDE SOCIAIS Por Natalia Mazotte em 24/5/2011 Reproduzido do Jornalismo nas Américas http://knightcenter.utexas.edu/pt-br/ , 19/5/2011, título original: "Site de notícias brasileiro adota regras para o uso das redes sociais por jornalistas"; intertítulo do OI Seguindo a tendência de veículos internacionais , o site de notícias UOL divulgou aos seus jornalistas normas para o uso de redes sociais , de acordo com o blog Liberdade Digital. As recomendações se assemelham às já adotadas por empresas de notícias como Bloomberg , Washington Post e Reuters : os jornalistas devem evitar manifestações partidárias e políticas, antecipar reportagens ainda não publicadas ou divulgar bastidores da redação e emitir juízos que comprometam a independência ou prejudiquem a imagem do site. Segundo um repórter do UOL, os jornalistas estão tuitando menos desde que as diretrizes foram divulgadas . "As pessoas estão tuitando bem menos. Alguns cogitam deletar seus p