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Pelo fim do coronelismo midiático

Nota do Coletivo Intervozes:

A publicação da lista de concessionários pelo Ministério das Comunicações trouxe de volta à pauta a discussão sobre as outorgas de rádio e TV dadas a parlamentares ou a empresas controladas por parlamentares. No início deste ano, o ministro Paulo Bernardo já havia se declarado a favor de regulamentação para consolidar legalmente a proibição – já prevista no artigo 54 da Constituição Federal.


O assunto é recorrente, mas faz dois anos que não há novas iniciativas no sentido de combater essa inconstitucionalidade. Em abril de 2009, recomendação aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal afirmou expressamente que não é lícito a esses parlamentares figurarem como diretores, proprietários ou controladores de empresas que explorem serviços de radiodifusão; e acrescentou que, caso verificada essa condição, o respectivo ato de outorga ou renovação deveria ser rejeitado.

A recomendação reforçou a compreensão de que o artigo 54 da Constituição Federal proíbe os parlamentares de serem donos de empresas concessionárias. De fato, o texto constitucional diz que deputados e senadores não poderão, desde a expedição do diploma, “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” e, desde a posse, “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoas jurídicas de direito público, ou nela exercer função remunerada”. Esses artigos, portanto, proíbem a propriedade de concessionárias de rádio e TV por parlamentares.

Contudo, sem a apreciação e aprovação pelo plenário daquela casa, essa recomendação não entrou em vigor e nada mudou. Hoje, segundo o Transparência Brasil, 21% dos senadores e 10% dos deputados federais são concessionários de rádio e TV – sem contar aqueles que têm empresas em nome de familiares ou laranjas.

Essa realidade fere três princípios democráticos. O primeiro deles é o direito à informação. Conforme amplamente reconhecido pelo STF, nossa Constituição reconhece que a imprensa e os meios de comunicação desempenham papel fundamental na democracia como instrumentos de acompanhamento, fiscalização e controle do poder estatal e privado. O cumprimento dessa função torna-se impossível na medida em que o próprio Estado se confunde com a imprensa; na medida em que os próprios membros do legislativo tornam-se concessionários do sistema privado de rádio e televisão.

Em segundo lugar, fere-se a separação entre os poderes. Claramente, a posse de meios de comunicação por parlamentares significa um acúmulo de poder inaceitável em uma democracia, e acaba funcionando como um círculo vicioso reforçador deste poder. Se há separação entre os três poderes tradicionais, não deve ser diferente em relação ao “quarto poder”. Some-se a isso a inexistência de leis que explicitamente impeçam que se faça uso político dessas concessões e o fato de os parlamentares já possuírem meios suficientes para se comunicar com o público por meio do sistema estatal de radiodifusão (previsto pelo Artigo 223), inclusive a Voz do Brasil, e do horário político (chamado gratuito, mas pelo qual as empresas de comunicação recebem contrapartida financeira).

O terceiro princípio democrático atingido é o fato de, neste caso, os concessionários serem também concedentes (o artigo 223 estabelece que a concessão ou permissão só tem validade depois de aprovada pelo Congresso Nacional), o que gera um inevitável conflito de interesses. De fato, estudo do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília revelou que 37,5% dos membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara e 47% dos titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado, responsáveis pela análise dos processos de outorgas, são proprietários de emissoras de rádio e TV ou têm familiares controladores destes tipos de veículos de comunicação.

Se não bastassem esses três princípios, a história ainda mostra que, em diversos momentos, concessões dadas pelo Ministério das Comunicações a parlamentares foram usadas como moeda de troca política. A votação dos 5 anos para Sarney e a aprovação da emenda da reeleição durante o governo Fernando Henrique Cardoso são exemplos clássicos de episódios em que se comprovou essa relação. No início de 2009, outro episódio envolvendo o ex-presidente Sarney comprovou o uso político das concessões de rádio e TV, provando que não há separação entre o proprietário de uma empresa concessionária e seus interesses políticos. Computados todos os prejuízos, não há por que a democracia brasileira continuar convivendo com essa aberração.

Parte dos parlamentares, percebendo os danos causado à democracia, tem tomado iniciativas importantes para combater essa realidade. Além da recomendação aprovada na CCJ do Senado, em dezembro de 2008 foi aprovado relatório da subcomissão que discutia a questão das concessões de rádio e TV na Câmara dos Deputados, que constatou a má aplicação do artigo 54. Igualmente importante seria proibir a propriedade também por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, à semelhança da proibição de nepotismo nos três poderes feita pela Súmula Vinculante do STF nº 13, já que neste caso configura-se a posse por um mesmo grupo familiar.

Ao declarar que “é mais fácil fazer o impeachment do presidente da República do que impedir a renovação de uma concessão de rádio ou TV”, o ministro Paulo Bernardo reconheceu a dificuldade de se enfrentar a questão. Contudo, independentemente da forma de coibir esse abuso, o Brasil não pode mais dar suporte a uma prática que reforça a concentração de poder e estabelece distorções no Parlamento. Neste momento, o Intervozes estuda as medidas jurídicas cabíveis para exigir o cumprimento do disposto no artigo 54 da Constituição Federal. Contudo, há medidas que podem ser tomadas pelo Executivo e pelo Legislativo que poderiam avançar para o fim do 'coronelismo eletrônico', contribuindo para a busca do aperfeiçoamento das instituições e o consequente aprimoramento da democracia:

- proibição explícita do uso de concessões de rádio e TV para fins políticos e punição rigorosa nos casos em que se identificar essa prática;

- aprovação em plenário da recomendação da CCJ do Senado que aponta a inconstitucionalidade da propriedade de emissoras concessionárias por parlamentares;

- inclusão, no novo marco regulatório das comunicações, de texto que reitere a proibição constitucional de que parlamentares em exercício de mandato possam ser donos de meios de comunicação concessionários de rádio e TV, e a extensão explícita dessa proibição a cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, à semelhança da proibição de nepotismo nos três poderes feita pela Súmula Vinculante do STF nº 13.

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