Por Carlos Castilho em 18/06/2011 na edição 646
Código Aberto, 17/6/2011
Em algum momento o sufixo “do bem” acabaria sendo atrelado à palavra jornalismo para criar mais uma categoria na longa série de penduricalhos apostos à atividade. É o que acaba de acontecer graças à pesquisadora israelense Carmit Wiesslitz, autora de um artigo publicado na revista acadêmica Journalism, sobre o que ela chamou de “jornalismo moral”, o equivalente ao nosso “jornalismo do bem”.A tese da pesquisadora é de que há um novo tipo de mediador na produção de notícias, que se situa entre o jornalista clássico, aquele que conta uma notícia sem se envolver com seus protagonistas ou procedimentos, e o que mergulha na informação para transformá-la numa ferramenta de ativismo político.
O jornalista “do bem” seria aquele que não observa de fora mas também não faz proselitismo aberto, num comportamento que Carmit estudou no site Macksonwatch, criado por mulheres israelenses favoráveis à concessão de liberdade total de movimentos aos palestinos residentes nos territórios ocupados na margem ocidental do rio Jordão.
As jornalistas do site monitoram há 10 anos o entra e sai de palestinos nos diversos pontos de checagem criados pelo governo de Israel na região, para recolher histórias pessoais, fotos, vídeos e reportagens que acabaram gerando um acervo único sobre a vida de árabes residentes na margem ocidental do Jordão.
O que distingue o projeto não é a maneira de informar, mas o tema escolhido. A abordagem jornalística poderia ser considerada convencional pois segue os mesmos cânones editoriais de um jornal que se autodefine como imparcial. Mas o assunto é que faz toda a diferença, pois ele está fora da agenda convencional da imprensa. É nele que a classificação “do bem” se atrela e onde os jornalistas expressam o seu comprometido social.
Vivências diversas
Até bem pouco tempo, o jornalismo “do bem” seria associado com o jornalismo “cívico” porque ambos partem do princípio de que o profissional e os jornais não podem ficar alheios à realidade em que estão inseridos. E aí ressurge mais uma vez o debate sobre a objetividade e imparcialidade dos jornalistas.
A categoria “moral” resgatada por Marit Wiesslitz não é um fenômeno isolado. Antes dela, o professor neozelandês Martin Hirst já havia criado um blog chamado Ethical Martini, no qual lidou durante anos com a polêmica sobre os fatores éticos que influem no exercício do jornalismo. Na verdade, esta é uma discussão que está mudando gradualmente de rumo, afastando-se da rigidez das normas sobre isenção para valorizar mais o contexto social da atividade jornalística.
São a cada dia mais frequentes as referências à necessidade dos profissionais descerem do pedestal para se colocar em pé de igualdade com o público – o que significa que o jornalista não seria mais um observador distante, mas um participante, embora não necessariamente engajado no ativismo político-partidário. Não existe e nem nunca existiu um jornalista que fosse imune à influência do meio em que vive ou onde exerce a sua atividade. A imparcialidade absoluta é uma figura retórica.
O problema é o grau de abertura do profissional à realidade que o cerca. Cresce o número de jornalistas que acham que a opinião faz parte de seu trabalho, o que está certo no abstrato mas pode não funcionar na realidade concreta. Todos nós temos a nossa história, cultura, nível de informação e vivências sociais. Isso influencia nossa maneira de viver e ver o mundo, fazendo com que um brasileiro seja diferente de um africano, de um árabe ou de um asiático, o que inevitavelmente acabará se refletindo na forma como pratica o jornalismo.
Contextos distintos
Mas a diferença não significa que uma maneira de ver o mundo seja melhor do que as demais. Elas são simplesmente diferentes e a opinião perde seu sentido quando reforça a ideia de melhor ou pior. Você já deve ter notado que estou emitindo uma opinião sobre o uso da opinião pessoal no jornalismo. Acho isso correto e necessário, mas seria equivocado ser por acaso tentasse dizer que a minha opinião é mais qualificada do que a de algum dos leitores deste blog.
A forma como organizo os meus argumentos é uma forma de emitir uma opinião sem identificá-la como tal. Isto todos nós fazemos o tempo todo. Por isso classificar um tipo de jornalismo como sendo “do bem” pode ser positivo por um lado porque ressalta uma determinada característica, mas por outro induz a considerar “do mal” os que não incluídos no primeiro caso.
É bom lembrar também que o jornalismo pode ser considerado “do bem” ou “moral” numa conjuntura e “do mal” e “amoral”, noutra. Dai a importância da contextualização em vez da preocupação em rotular.
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