"A frase espontânea da minha filha Yasmim, rio-pretense, dia desses, ao observar a paisagem urbana num passeio a pé pela área central, selou para sempre a minha sina. Minha família ama a cidade que eu amo. Com a permissão de Gonçalves Dias, se um dia eu experimentar o exílio, não permita Deus que eu morra sem que eu volte para cá".
Por ironia e graça do destino, o Jardim Novo Mundo foi minha porta de entrada para o mundo novo que viveria em Rio Preto, na casa da Dila, minha irmã, que me acolheu. Era 1981, quando vivi meu primeiro de tantos janeiros rio-pretenses. Durante o dia, auxiliar de escritório na rua Bernardino de Campos. À noite, o ensino médio na escola Amira Homsi Chalella, bem em frente ao Asa Delta, em construção. Durante anos fixei-me na região do Novo Mundo e do Jardim Urano. O tempo foi me mostrando que aquela primeira imagem de metrópole, que observei embasbacado ao chegar de Ecatu pela Washington Luiz e entrar de ônibus pela avenida Alberto Andaló, era mais do que um momentâneo entusiasmo juvenil. Não demorou e descobri a grandiosidade da terra de São José. Passei a estudar no colégio Andaló. Do outro lado da rua, o Cristo Redentor, que nos anos 70 andou fazendo milagres. Anos antes, eu tinha bebido água do Cristo, que a dona Mariquinha havia levado para Ecatu, nas suas andanças de mascate por aquela região. E o Cristo agora estava ali, a poucos metros de mim. Só não vertia mais o líquido santo, pois a Prefeitura tratou de acabar com a rachadura por onde entrava a água da chuva.
De repente, observo uma caveira que conduz o passageiro no barco em águas escuras, enquanto o Pégasus protege o herói da “Fúria dos Titãs”. Bem ali, no escurinho do saudoso Cine Central, onde Travolta e Olívia também ditavam o embalo “Nos Tempos da Brilhantina” e projetavam meus desejos além da tela, como em “A Rosa Púrpura do Cairo”. Na manhã do dia seguinte, ouço Marcelo Gonçalves na rádio Anchieta com uma ardente declaração: “Alô, Rio Preto, terra do amor, minha doce namorada, muito bom dia”. No Ginásio Natalone, jogos de basquete da elite, futebol de salão e carnaval popular. No estádio Mário Alves Mendonça, apresentações memoráveis do América. Por estímulo do professor João Esteves, simpatizado pelos meus jornais de brinquedo que fazia na sala de aula do colégio Andaló, ofereci-me ao Diário com uma reportagem de pára-quedismo em mãos, publicada no domingo, com direito a foto na primeira página. Descobri o jornalismo, que despertou em mim a paixão definitiva por esta cidade, alicerce da minha vida adulta. No jornalismo esportivo, eu vi o Birigui, emérito presidente do América, dormindo escarrapachado na sua cadeira da cafeeira na Boa Vista, o cigarro na bituca apagada escorregando pelo canto da boca. Vi o América chorar e sorrir, vi o Rio Preto sorrir e chorar, o Roberto Biônico mijar no chuveiro do estádio velho para desespero do Catanoce. Vi Urubatão endoidecido para fazer o time jogar, João Avelino fazendo mandinga para a equipe salvar.
Como Rio Preto cresceu. Avenidas barulhentas, carros engarrafando na doce Bernardino dos meus anos 80, o calor de sempre, a Cidade das Crianças, o Bosque Municipal e, que pena, a Represa quase coberta de areia. Um cavalo pastando no meio da Represa ao lado da passarela, grama onde deveria haver água, retrata de vez o misto de irresponsabilidade e omissão que maltratam nossa cidade. Gigante por natureza, porém, Rio Preto se recusa a ficar de joelhos. Os amores superam as dores e a vida segue, dos iluminados do shopping aos buracos da periferia, dos números oficiais de Primeiro Mundo à realidade terceiro-mundista dos excluídos. O Cristo a iluminar a noite no alto da Maceno, os barzinhos com novos nomes, velhos lugares, para a alegria da moçada da noite, sempre uma criança. “É legal morar em Rio Preto”. A frase espontânea da minha filha Yasmim, rio-pretense, dia desses, ao observar a paisagem urbana num passeio a pé pela área central, selou para sempre a minha sina. Minha família ama a cidade que eu amo. Com a permissão de Gonçalves Dias, se um dia eu experimentar o exílio, não permita Deus que eu morra sem que eu volte para cá.
Direto da Redação do Observatório Social de Araçatuba:
Milton Rodrigues é atualmente editor - chefe da Folha da Região de Araçatuba
Por ironia e graça do destino, o Jardim Novo Mundo foi minha porta de entrada para o mundo novo que viveria em Rio Preto, na casa da Dila, minha irmã, que me acolheu. Era 1981, quando vivi meu primeiro de tantos janeiros rio-pretenses. Durante o dia, auxiliar de escritório na rua Bernardino de Campos. À noite, o ensino médio na escola Amira Homsi Chalella, bem em frente ao Asa Delta, em construção. Durante anos fixei-me na região do Novo Mundo e do Jardim Urano. O tempo foi me mostrando que aquela primeira imagem de metrópole, que observei embasbacado ao chegar de Ecatu pela Washington Luiz e entrar de ônibus pela avenida Alberto Andaló, era mais do que um momentâneo entusiasmo juvenil. Não demorou e descobri a grandiosidade da terra de São José. Passei a estudar no colégio Andaló. Do outro lado da rua, o Cristo Redentor, que nos anos 70 andou fazendo milagres. Anos antes, eu tinha bebido água do Cristo, que a dona Mariquinha havia levado para Ecatu, nas suas andanças de mascate por aquela região. E o Cristo agora estava ali, a poucos metros de mim. Só não vertia mais o líquido santo, pois a Prefeitura tratou de acabar com a rachadura por onde entrava a água da chuva.
De repente, observo uma caveira que conduz o passageiro no barco em águas escuras, enquanto o Pégasus protege o herói da “Fúria dos Titãs”. Bem ali, no escurinho do saudoso Cine Central, onde Travolta e Olívia também ditavam o embalo “Nos Tempos da Brilhantina” e projetavam meus desejos além da tela, como em “A Rosa Púrpura do Cairo”. Na manhã do dia seguinte, ouço Marcelo Gonçalves na rádio Anchieta com uma ardente declaração: “Alô, Rio Preto, terra do amor, minha doce namorada, muito bom dia”. No Ginásio Natalone, jogos de basquete da elite, futebol de salão e carnaval popular. No estádio Mário Alves Mendonça, apresentações memoráveis do América. Por estímulo do professor João Esteves, simpatizado pelos meus jornais de brinquedo que fazia na sala de aula do colégio Andaló, ofereci-me ao Diário com uma reportagem de pára-quedismo em mãos, publicada no domingo, com direito a foto na primeira página. Descobri o jornalismo, que despertou em mim a paixão definitiva por esta cidade, alicerce da minha vida adulta. No jornalismo esportivo, eu vi o Birigui, emérito presidente do América, dormindo escarrapachado na sua cadeira da cafeeira na Boa Vista, o cigarro na bituca apagada escorregando pelo canto da boca. Vi o América chorar e sorrir, vi o Rio Preto sorrir e chorar, o Roberto Biônico mijar no chuveiro do estádio velho para desespero do Catanoce. Vi Urubatão endoidecido para fazer o time jogar, João Avelino fazendo mandinga para a equipe salvar.
Como Rio Preto cresceu. Avenidas barulhentas, carros engarrafando na doce Bernardino dos meus anos 80, o calor de sempre, a Cidade das Crianças, o Bosque Municipal e, que pena, a Represa quase coberta de areia. Um cavalo pastando no meio da Represa ao lado da passarela, grama onde deveria haver água, retrata de vez o misto de irresponsabilidade e omissão que maltratam nossa cidade. Gigante por natureza, porém, Rio Preto se recusa a ficar de joelhos. Os amores superam as dores e a vida segue, dos iluminados do shopping aos buracos da periferia, dos números oficiais de Primeiro Mundo à realidade terceiro-mundista dos excluídos. O Cristo a iluminar a noite no alto da Maceno, os barzinhos com novos nomes, velhos lugares, para a alegria da moçada da noite, sempre uma criança. “É legal morar em Rio Preto”. A frase espontânea da minha filha Yasmim, rio-pretense, dia desses, ao observar a paisagem urbana num passeio a pé pela área central, selou para sempre a minha sina. Minha família ama a cidade que eu amo. Com a permissão de Gonçalves Dias, se um dia eu experimentar o exílio, não permita Deus que eu morra sem que eu volte para cá.
Direto da Redação do Observatório Social de Araçatuba:
Milton Rodrigues é atualmente editor - chefe da Folha da Região de Araçatuba
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