Por que bandeiras de grupos de extrema-direita da Ucrânia foram usadas em manifestação na Paulista? - Ana Livia Esteves - POR: SPUTNIK BRASIL
O Brasil todo ficou intrigado com a aparição de bandeiras e símbolos associados a grupos de extrema-direita da Ucrânia em manifestações pró-Bolsonaro na Avenida Paulista. Que símbolos são esses? Que grupos ucranianos eles representam?
Neste domingo (31), manifestantes pró-Bolsonaro se reuniram na Avenida Paulista, em São Paulo, para protestar contra as medidas de isolamento social e contra instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional.
Mas em meio aos símbolos tradicionalmente adotados pelos apoiadores do presidente – a bandeira nacional e a camisa da Seleção Brasileira – analistas ficaram intrigados ao identificar na manifestação bandeiras da Ucrânia e de um grupo de extrema-direita ucraniano, chamado Pravy Sektor.
A Sputnik Brasil conversou com sociólogos e políticos ucranianos para entender que grupo é esse, o que ele defende e o que a sua presença na manifestação de domingo representa.
Origem do grupo
A organização Pravy Sektor, que significa Setor da Direita, "foi fundada em novembro de 2013, durante as manifestações em Maidan [Praça da Independência em Kiev] como um grupo de oposição ao [então presidente ucraniano Viktor] Yanukovich", explicou à Sputnik Brasil o cientista político ucraniano Ruslan Bordnik.
As manifestações na Praça da Independência (Maidan), realizadas entre 2013 e 2015, na capital ucraniana Kiev, levaram à queda do então presidente Viktor Yanukovich.
"Esse movimento normalmente ocupava a parte direita de Maidan, daí o nome Setor da Direita", contou o diretor do Instituto de Pesquisa em Política e Conflitos de Kiev, Mikhail Pogrebinsky à Sputnik Brasil. "Lá eles gritavam slogans anti-Rússia e antissemitas, e participavam ativamente dos confrontos."
"Durante o auge de sua atuação, a pressão exercida pelo Pravy Sektor e outros grupos radicais de direita levou à queda de fato do governo de Yanukovich", reconheceu Bordnik.
O grupo foi construído pela união de várias organizações de direita radical ucranianas, com destaque para o partido Svoboda, ou Liberdade.
"A origem primordial do Partido Svoboda era um grupo que se chamava Partido Nacional Socialista, cópia escancarada do Partido Nacional Socialista hitlerista", disse Pogrebinsky. "Enquanto a URSS ainda existia, eles não se manifestavam publicamente, mas assim que a Ucrânia se tornou independente, eles saíram do ostracismo e começaram a participar da vida política."
O partido tinha suas bases na região oeste do país "onde os avós ou bisavós dos moradores haviam lutado ao lado de Hitler na Segunda Guerra Mundial", disse Pogrebinsky.
"Essas organizações podem ser classificadas como de direita radical [...], com elementos de russofobia, culto à personalidade e incitação ao ódio intranacional", opondo cidadãos por "grupo linguístico ou afinidade religiosa", explicou Bordnik.
Treinamento militar
Após a queda de Yanukovich em 2014, "o Pravy Sektor manteve as suas atividades", acrescentou Pogrebinsky.
"No período de 2014 a 2016, a organização teve papel importante nas atividades militares em Donbass: uma parte significativa dos membros tem experiência de combate", notou Bordnik.
O ex-deputado ucraniano Vladimir Oleinik diz que o treinamento militar de membros dessa organização "é um fato incontestável" e conta que políticos associados ao Pravy Sektor foram repetidamente "fotografados em campos de treinamento da organização [na região dos] Cárpatos", em locais que eles chamavam de "acampamentos esportivos".
Apesar da organização ter se fragmentado após Maidan, "o Pravy Sektor continua engajado nas operações militares no leste da Ucrânia, onde eles têm uma divisão militar, chamado Corpus de Voluntários da Ucrânia, que age nas zonas de combate", disse Bordnik.
Participação política e apoio popular
Os entrevistados são unânimes ao apontar que o grupo perdeu força na cena política ucraniana nos últimos anos.
"Eles tentaram fundar um partido político, mas eles não foram bem-sucedidos, então surgiram grupos radicais partidários separados", disse Pogrebinsky. "Mas nenhum atingiu os 5% de votos necessários para entrar no Parlamento" nas últimas eleições.
"Sociólogos mostram que o apoio da sociedade ao Pravy Sektor não é significativo, fica entre 1% e 3% da população ucraniana", aponta Bordnik. "As organizações de direita radical, no geral, têm apoio de cerca de 20% dos ucranianos."
Apesar do mal desempenho eleitoral, grupos como o Pravy Sektor "têm bastante espaço nos principais canais de televisão para defender suas posições", ponderou Pogrebinsky.
Mas a principal força do grupo é que "eles têm o controle das ruas", destacou Pogrebinsky. "Para evitar a deflagração de manifestações, o Estado é leniente com eles, dando inclusive cargos em conselhos ministeriais a pessoas acusadas de crimes graves."
"Eu qualificaria esses grupos como uma minoria agressiva [...] que sequestra o poder da mesma forma que um terrorista sequestra um avião", disse Oleinik.
"Mas eles estão perdendo cada vez mais apoio popular [...] as pessoas já estão vendo que eles não oferecem nada além da destruição, só querem proibir [...] e procurar inimigos", lamentou.
Atuação internacional
O protesto de domingo na Avenida Paulista não é o primeiro evento não ucraniano no qual símbolos do Pravy Sektor estão presentes.
"As organizações que vieram a compor o Pravy Sektor fizeram parte de vários eventos internacionais, como a guerra na Moldávia, no início da década de 90, depois da guerra na Geórgia, em 2008", lembrou Bordnik.
Além disso, após Maidan, o Pravy Sektor passa a se integrar "a um movimento global de ultradireita radical", notou o ucraniano.
"Eles participaram de diversas reuniões de líderes de ultradireita mundiais [...] entre os anos de 2016 e 2018. É bastante claro que o Pravy Sektor tem apoio de círculos internacionais de ultradireita, com destaque para como a grupos da diáspora ucraniana no Canadá", contou Bordnik.
O cientista político nota que, no caso do Brasil, é necessário esclarecer se membros do grupo estavam nas manifestações, ou "se os manifestantes só usaram os símbolos" da organização.
Ele conta que os símbolos do Pravy Sektor estão sendo usados como uma "marca" da ultradireita ao redor do mundo.
"O último caso foi o de Hong Kong, onde também foram vistos símbolos de organizações nacionalistas ucranianas", lembrou Bordnik.
Oleinik notou a presença dos símbolos do grupo em manifestações na Rússia, "em temas que não têm nada a ver com a Ucrânia [...] como durante as manifestações pela reforma no sistema de aposentadoria".
Oleinik diz que o uso de bandeiras de outras nacionalidades em manifestações de grupos de ultradireita minoritários é a norma, para "dar a impressão de que o mundo inteiro está com eles, dar a ilusão de que há amplo apoio a esses grupos".
Por que é proibido na Rússia?
As organizações do Pravy Sektor e afiliadas são "proibidas por decisão da Suprema Corte da Federação da Rússia, por serem consideradas organizações de ultradireita, engajadas em atividades extremistas", disse Bordnik.
"Na Rússia, todos os partidos ultranacionalistas são proibidos, mesmo os domésticos", explicou Pogrebinsky. "No caso dos nossos [partidos ucranianos] são proibidos [na Rússia] pela acusação de envolvimento em crimes contra a humanidade."
"Além disso, o Pravy Sektor e organizações que o integram são acusados de incitar o ódio entre grupos linguísticos e religiosos", acrescentou Bordnik
No caso do Brasil, Bordnik acredita que o uso de símbolos do Pravy Sektor indica que "os protestos irão se tornar mais radicais".
"Isso pode significar que parte dos manifestantes estão dispostos a considerar uma mudança de regime pelo uso da força. Porque é isso que está no cerne desse tipo de organização como o Pravy Sektor", concluiu Bordnik.
Neste domingo (31), manifestantes pró-democracia e grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, entraram em confronto na Avenida Paulista, em São Paulo. A Polícia Militar de São Paulo informou estar investigando se o uso de bandeiras associadas ao neonazismo foi o estopim da briga. Após início do confronto, a PM fez uso de bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes.
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